Título: CNJ está atulhado de questões irrelevantes
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 24/12/2006, O País, p. 11

Criado para controlar Judiciário, Conselho se desvirtua ao tratar de temas como férias individuais e concursos

BRASÍLIA. Criado para fazer o controle externo do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desvirtuou-se do rumo original e assumiu, segundo alguns de seus integrantes, uma posição corporativista. Nos últimas semanas, o colegiado foi atacado por tentar devolver as férias coletivas aos magistrados e por permitir o pagamento de salários acima do teto da categoria a juízes estaduais. Agora, é a vez de os conselheiros demonstrarem indignação com a atuação do colegiado, que tem as pautas abarrotadas de reclamações pessoais de quem não passou em concursos para juiz ou que não conseguiu marcar férias para o mês desejado.

Regimento é rescrito para excluir reclamações pessoais

O excesso de demandas pessoais, sem relevância para a magistratura, despertou a revolta de grande parte dos conselheiros. Foi criada uma comissão para formular um novo regimento interno para o CNJ. A intenção é deixar como atribuições do órgão apenas questões administrativas mais amplas e temas sobre a atuação do Judiciário.

¿ Há uma demanda muito grande no CNJ por questões pequenas. Um dos desafios é conseguir recuperar a função precípua do conselho, que é o planejamento estratégico do Judiciário. Acho absurdo o rumo que tomamos e que essas questões individuais, como reclamações sobre concursos públicos e férias individuais, ocupem tanto a nossa pauta. Isso está asfixiando as atividades do CNJ ¿ reclamou um dos integrantes do Conselho, o juiz do Trabalho Douglas Cavalcanti.

No dia 5 de dezembro, diante de uma pauta composta basicamente por reclamações individuais sobre o resultado de concursos públicos para tribunais, o conselheiro Joaquim Falcão se revoltou. Ele defendeu que fosse instituído um mecanismo de repercussão geral, segundo o qual apenas casos de relevância para todo o Judiciário poderiam ser discutidos pelo CNJ.

¿ Aqui só se discute casos individuais, concursos. Temos que mudar isso ¿ disse Falcão, em tom exaltado.

A idéia foi apresentada formalmente pelo conselheiro Alexandre de Moraes à comissão interna que reescreve o regimento. Segundo a proposta, se dois terços dos 15 integrantes do colegiado se recusarem a julgar determinado caso, o assunto não será examinado pelo órgão.

¿ Se não tiver repercussão geral, nós não vamos cumprir a nossa função ¿ previu Moraes.

¿Se não mudarmos, vamos lotar o STF¿, diz conselheiro

Os pedidos de revisão de gabarito de candidatos que são reprovados em concursos constituem um artifício pouco ortodoxo para se conseguir uma resposta mais ágil para a questão. É que, antes do CNJ, esse tipo de recurso precisava ser proposto à primeira instância da Justiça. Em caso de derrota, ainda seria preciso recorrer aos tribunais de segunda instância e, em seguida, aos tribunais superiores para haver a sentença final. Com o recurso ao CNJ, não é preciso cumprir todo esse trâmite: em caso de derrota, o recurso pode ser proposto diretamente ao Supremo Tribunal Federal (STF), a última instância do Judiciário.

¿ Metade da nossa pauta é isso. Se não mudarmos logo, esses recursos vão lotar o STF e vamos começar a ouvir reclamação dos ministros ¿ observou Alexandre de Morais na sessão do último dia 5.

Depois de passar cerca de meia hora debatendo esse assunto durante a sessão, os integrantes do CNJ resolveram votar se continuariam ou não deliberando sobre as dezenas de reclamações sobre concursos públicos que estampavam a pauta do dia. A maioria, que permanecera silenciosa durante o acirrado debate, respondeu positivamente e a sessão prosseguiu com as discussões sobre temas corporativos.

Um outro assunto, a participação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no CNJ, também tomou conta de parte das discussões no dia 5. O advogado Oscar Argollo, representante da entidade no conselho, reclamou do corporativismo e acusou o colegiado de não levar a sério as propostas da OAB.

¿ Há uma aversão a tudo o que a OAB traz pra cá. A OAB é a instituição mais séria do país!

O conselheiro Paulo Schmidt contestou:

¿ Pode ser tão séria quanto outra instituição, mas não é a mais séria.