Título: Polícias passaram a ter vários patrões¿
Autor: Autran, Paula
Fonte: O Globo, 24/12/2006, Rio, p. 14

Antropóloga diz que `mercantilização¿ garante segurança apenas para quem paga e alimenta a corrupção

¿Polícia! Para quem precisa?¿, provocaram os Titãs, em meados dos anos 80. ¿Que polícia é esta, que não fui avisado?¿, quis saber o então capo do jogo do bicho Castor de Andrade, em 1994, contrariado porque a PM não o avisou do estouro de sua fortaleza. Perguntas como estas continuam ecoando em meio à população do Estado do Rio, e ganham amplitude a cada notícia de policiais militares e civis envolvidos com o tráfico de drogas ou com as máfias de caça-níqueis, assim como quando se discute o crescimento do poder das milícias nas comunidades carentes. As respostas estão na ponta da língua de especialistas em segurança pública, como a antropóloga Jacqueline Muniz, professora da Universidade Candido Mendes e ex-coordenadora de Segurança Pública e Justiça do Estado do Rio.

¿ Esses casos de corrupção, assim como as milícias, têm raízes em comum: a clientelização ou mercantilização das polícias. Traduzindo, as polícias passaram a ter vários patrões, que não o estado: o deputado, o vereador, o comerciante que paga por segurança... Com isto, o que passou a haver no Rio, em vez de segurança, foi proteção ¿ analisa Jacqueline. ¿ Direita e esquerda, aqui, raciocinam com a lógica da proteção, que é excludente, pois, na medida em que tem que ser paga, impõe a desigualdade na prestação do serviço que deveria ser de segurança. Isto gera situações como a Zona Oeste, onde há mais insegurança pública e menos policiamento.

Entre os ¿clientes¿ da polícia do Rio, a antropóloga distingue os ¿de cima¿ (autoridades públicas que, fazendo uso do tráfico de influências, priorizam resultados úteis para seus próprios fins e projetos de poder), os ¿ao lado¿ (policiais e afins que, na base do ¿companheirismo¿, reorientam as atividades policiais segundo seus interesses, incluindo serviços informais de proteção e vigilância privadas), os ¿ao redor¿ (a mídia, que valoriza ações policiais em função da sua pauta e do acesso privilegiado a fontes policiais) e os ¿de baixo¿ (elites e políticos locais que trocam favores pela atenção diferenciada dos policiais ou para ¿colocar os seus¿ em postos de interesse).

Jacqueline ¿ que também destaca problemas como o fato de a PM ter sido comandada por oficiais do Exército até 1982 e a Polícia Civil ser o que ela chama de ¿jardim de infância para a carreira política¿ ¿ diz que a questão é política:

¿ Não é só uma questão de tirar maçãs podres do cesto, mas de uma reforma constitucional das polícias. Enquanto não for assim, os esforços sucumbem. Estamos há quase 70 anos do que foi feito na Inglaterra e nos Estados Unidos, e que é a base em qualquer lugar do mundo civilizado: blindar as polícias, para acabar com o risco das tiranias e com a corrupção.