Título: O pior ano da aviação
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 24/12/2006, Economia, p. 25

Com acidente e caos aéreo, país registra 3 mil vôos cancelados em apenas três meses

Oano de 2006 foi o pior da história da aviação civil no Brasil. E o consumidor brasileiro, que passou a viajar mais de avião, só teve dissabores. Somente nos últimos três meses, houve o acidente da Gol, e a crise nos aeroportos ¿ que começou com a operação-padrão dos controladores de vôo, passou pela quebra de um equipamento do Cindacta 1, em Brasília, e culminou com a retirada de circulação de seis aeronaves da TAM. Nesse período, mais de 3 mil vôos foram cancelados e 212 mortes foram registradas.

Recordes de mortes e acidentes, confusões, filas, cancelamentos e atrasos são uma amostra de uma crise anunciada. Motivos não faltam: problemas de gestão do governo, insuficiência de recursos orçamentários, precário atendimento das companhias aéreas aos passageiros. E a crise ainda está longe de ser resolvida, dizem analistas. Em meio a esse cenário, o setor vive um descompasso: enquanto a demanda pelo transporte aéreo subiu 13%, a oferta de assentos cresceu apenas 7,8%.

A estimativa de vôos cancelados no período de crise é até conservadora. Leva em conta 1.200 vôos no feriado de 2 de novembro, mais 850 em 15 de novembro e uma média diária de cem cancelamentos. Para se ter uma idéia, no período de 27 de novembro a 22 de dezembro, 1.255 viagens não se confirmaram. Procuradas, a Infraero e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) disseram que não dispõem dos dados fechados em 2005 ou 2006, para comparação.

Junto a tudo isso, o país assistiu à derrocada da maior companhia aérea brasileira, a Varig. Isso aconteceu justamente quando foi criada a Anac, que começou a funcionar em março. A Varig encolheu e deixou milhares de passageiros sem avião, tanto no Brasil como no exterior. No segundo semestre, houve o pior acidente aéreo do país, o choque entre um Boeing da Gol e um Legacy, causando a morte de 154 pessoas. Este ano, foram 66 acidentes aéreos ¿ o maior número desde 2001, quando houve 68 ocorrências.

Treinar controlador demora meses

Para piorar, uma operação-padrão dos controladores de vôos, motivada por falta de pessoal e problemas de gestão. Foi a gota d¿água. O governo tenta contratar mais pessoal, mas o treinamento leva meses, e, enquanto isso, avança o debate sobre a desmilitarização do setor.

¿ Vejo 2006 como um ano de paradoxos. Tivemos sérios problemas, mas também foi um ano bom para as empresas. O preço das passagens aéreas caiu, em média, 4%. Gol e TAM se firmaram, estão com ações na Bolsa de Nova York; BRA e OceanAir receberam aportes financeiros. Éramos todos neófitos com a crise, mas estamos aprendendo ¿ disse o presidente da Anac, Milton Zuanazzi.

Segundo especialistas, apesar dos problemas, o ano deve acabar com nada menos que 103 milhões de pessoas transportadas em aviões no Brasil. E isso ocorreu não pelo aumento do número de aeronaves, mas pela oferta de aviões maiores e o incremento do mercado de jatinhos. Com isso, o volume de vôos diários regulares, que estava em 1.640 em março, caiu para 1.380 em dezembro.

No transporte aéreo internacional, o ano foi de forte declínio da indústria nacional. A crise da Varig fez, de uma hora para outra, que 600 mil assentos mensais ligando o Brasil ao mundo deixassem de existir. Milhares de passageiros ficaram sem ter como voltar ao Brasil nas férias de julho, que coincidiram com o fim da Copa do Mundo, na Alemanha.

As outras empresas aéreas ¿ TAM, Gol, BRA e OceanAir ¿ correram para tentar absorver este mercado. Compraram aeronaves e passaram a oferecer vôos para novas localidades. Mas não conseguiram suprir a demanda. Até dezembro, o Brasil ainda apresentava uma carência de 348 mil assentos/mês internacionais.

¿ O ano foi marcado pela crise da Varig, que, para o setor de turismo, foi pior que o caos nos aeroportos. A falta de linhas internacionais impede os turistas de chegarem ao Brasil. Já o caos dos aeroportos faz as pessoas trocarem viagens longas por outras mais curtas, de carro ou ônibus ¿ afirmou o ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia.

Infraero: Pan é desafio para 2007

Mares Guia ainda lembrou que as companhias internacionais perceberam esse desfalque no Brasil e não perderam tempo. Em dezembro, o país registrava outro recorde em 2006: 794 vôos regulares semanais das empresas estrangeiras. Em novembro, eram 680 vôos semanais, segundo o Ministério do Turismo.

O Comando da Aeronáutica ¿ historicamente pouco aberto a questionamentos ¿ e o Ministério da Defesa também tiveram que admitir sérias dificuldades na aviação. O caos nos aeroportos e a operação-padrão dos controladores fizeram com que os dois órgãos reconhecessem problemas que os militares abominam: falta de pessoal, erros de gestão, recursos mal empregados, despreparo técnico, problemas estruturais e orçamentos com destinação equivocada.

Esses problemas podem fazer com que o controle aéreo mude de mãos e vá para um órgão civil. Os militares resistem a essa idéia e, para evitar o que consideram o ¿mal maior¿, iniciaram uma desmilitarização branca, dando mais acesso aos controladores civis em setores estratégicos.

Para 2007, além da continuação da crise nos aeroportos, da falta de controladores e da definição da natureza do setor ¿ se será civil ou militar ¿ espera-se um novo desafio: os Jogos Pan-Americanos no Rio. A Infraero, estatal que administra os aeroportos, já admite que esta será sua prioridade no início do ano e espera investir R$100 milhões em aeroportos até o primeiro trimestre, para evitar problemas quando delegações, turistas e autoridades devem lotar o Rio.

¿- Aprendemos com a crise. A partir de março devemos voltar à normalidade, com os novos controladores ¿ disse Zuanazzi.

Enquanto isso, os passageiros vivem, nestas festas de fim de ano, um drama nos aeroportos de todo o país. Na última sexta-feira, o casal André Alvim e Ana Paula Larini aproveitou para viajar com o filho, Giovanni, de 2 anos, para Gramado, no Rio Grande do Sul. Depois de seis horas de espera no Aeroporto Tom Jobim, a família conseguiu embarcar.

¿ Há um desencontro de informações muito grande. O pessoal da companhia aérea diz uma coisa. A Infraero, outra. Há dois meses, ninguém sabe nada. Primeiro, foram os controladores de vôo, agora é a TAM. Por isso, estamos pensando em processar o governo. Vamos atrás de nossos direitos ¿ disse Alvim.

Para a dona-de-casa Maria Anerri, a aviação nacional caminha para um cenário insustentável. Na última sexta-feira, seu vôo, do Rio para São Paulo, atrasou cinco horas. No telão da Infraero, informações erradas.

¿ É um absurdo essa situação. Eu não tenho celular. Como vou avisar aos meus parentes em São Paulo? Não sei nem a que horas é meu vôo. Eles remarcam e não avisam. No Ano Novo, será o mesmo problema. E depois, no carnaval ¿ disse Maria.

COLABORARAM Mônica Tavares e Bruno Rosa

REVOLTA, DETENÇÃO E FALTA DE INFORMAÇÃO NO AEROPORTO TOM JOBIM, na página 26