Título: Jovens demoram mais para deixar a casa dos pais, mostra pesquisa
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 26/12/2006, O País, p. 4

Segundo Unesco, 49,3% dos brasileiros entre 15 e 29 anos nunca se mudaram

BRASÍLIA. Quase metade dos jovens brasileiros nunca deixou a casa dos pais. O costume, que virou símbolo dessa geração, foi comprovado por uma pesquisa concluída neste ano pela Unesco, intitulada ¿Juventude, juventudes: o que une e o que separa¿. Segundo o estudo, 49,3% dos jovens entre 15 e 29 anos sempre moraram com os pais. Mas um detalhe é ainda mais surpreendente: entre os que já moraram fora por um período superior a seis meses, 25,5% voltaram atrás na decisão.

O grupo que mais volta para a casa dos pais depois de ter alcançado a independência é composto por garotas e garotos de bom nível econômico, das chamadas classes A e B. Nesse segmento, estão 40,2% dos jovens com esse tipo de experiência. Para a pesquisadora que coordenou o estudo, Miriam Abramovay, a autonomia tardia dos brasileiros está ligada ao mercado de trabalho, cada vez mais fechado para adolescentes e jovens adultos.

Pais incentivam os filhos a permanecer em casa

A psicóloga Márcia Portela, especialista nessa faixa etária, vai além. Para ela, os jovens têm como meta não só encontrar um emprego, mas uma atividade profissional que garanta a manutenção de um padrão de vida com o qual estão acostumados. Em contrapartida, essa geração ¿ pelo menos na fatia mais abastada ¿ não é mais pressionada para sair de casa e constituir família. Muito pelo contrário: pais fazem questão de manter os filhos em casa por mais tempo.

¿ Os pais compactuam com isso e, muitas vezes, boicotam a saída do jovem. Se há 30 anos os pais podiam ajudar os filhos a comprar uma casa, hoje eles arrumam a própria casa para mantê-los perto por mais tempo ¿ avalia.

Essa resistência em ingressar por inteiro na vida autônoma tem feito muitos pais adaptarem suas casas às necessidades dos filhos adultos. Dos entrevistados, 20,7% relataram que os pais permitem levar o namorado ¿ ou namorada ¿ para dormir em casa. Além disso, 39,2% têm permissão para chegar tarde.

¿ Apesar de a proibição ainda ser grande, não esperava que tantos pais deixassem o namorado dormir em casa. É um sinal de modernidade. Ou, talvez, os pais estejam com medo de deixar os filhos na rua à mercê da violência. Os pais hoje são muito mais cuidadosos do que permissivos ¿ opina Miriam.

Para Márcia Portela, a permissão para dormir com o namorado nem sempre é sinal de modernidade. Ela alerta que as meninas dessa geração estão sendo criadas de forma muito liberal. Isso pode fazer com que elas fiquem sem uma referência importante: a de que estão sendo cuidadas e amadas pela família.

¿ As garotas de classe alta estão tão soltas, que muitas vezes elas vão buscar na casa dos namorados uma referência mais sólida de família, de amor ¿ diz a psicóloga.

No quesito diálogo, as relações entre pais e filhos são superficiais, mostra a pesquisa. A Unesco detectou que os assuntos predominantes das conversas entre os jovens e seus pais são trabalho, amigos, religião e estudos. Temas mais íntimos e profundos ficam de fora, principalmente quando o interlocutor é o pai. Dos entrevistados, 63,6% afirmaram que não conversam com o pai sobre sexo, 57,1% não falam sobre seus sentimentos, 54,6% calam-se sobre política e 51,9%, sobre drogas.

Com a mãe, a intimidade cresce um pouco, mas o diálogo também está longe de ser aberto. Dos entrevistados, 52,1% não falam com a mãe sobre sexo, 51,1% não conversam sobre política, 42,3% não discutem o uso de drogas e 38,2% omitem seus sentimentos.

¿ Os jovens são muito pouco ouvidos. Eles escutam muito, mas poucas vezes podem falar ¿ constata Miriam.

Outra conclusão da Unesco é que 25% dos pais de jovens entrevistados permitem fumar em casa, e 25,7% autorizam o consumo de bebidas alcoólicas. A pesquisadora Miriam Abramovay ficou surpresa com a igual importância dada pelos pais ao álcool e ao cigarro ¿ que, socialmente, podem ter conseqüências bem diferentes.

¿ É dúbio atribuir o mesmo valor ao álcool e ao cigarro. Beber pode ser a causa de brigas e mortes, não só em acidentes de carro. Já o cigarro faz mal a longo prazo ¿ avalia.

¿Com ou sem permissão, o jovem vai beber e fumar¿

Apesar disso, Miriam acredita que a atitude dos pais não é capaz de determinar o comportamento dos jovens.

¿ Com ou sem a permissão, se o jovem quiser, vai beber ou fumar. Os pais não podem ser totalmente responsabilizados pelo consumo ¿ opina.

Para Márcia Portela, mesmo que os filhos não obedeçam à orientação dos pais, é importante que a família continue a ser uma referência do que é certo ou errado. Para a psicóloga, esses conceitos devem ser transmitidos no cotidiano.

¿ Um filho que vê o pai bem sucedido tomando uísque todos os dias vai ter dificuldade em ver a bebida como algo negativo ¿ afirma.