Título: Cultura: lula deve contrariar aliados e mudar projeto aprovado na Câmara
Autor: Éboli, Evandro e De la Peña, Bernardo
Fonte: O Globo, 28/12/2006, O País, p. 4

PT e partidos da base articularam rejeição de acordo votado no Senado

BRASÍLIA. Para honrar o acordo fechado com os artistas sobre a lei de incentivos fiscais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de contrariar a bancada de seu próprio partido, o PT, e de partidos aliados na Câmara. Foi uma articulação de deputados governistas que derrubou no plenário da Câmara, semana passada, a negociação fechada entre o setor cultural e o esportivo sobre a divisão das verbas do patrocínio de empresas e pessoas físicas.

Por orientação do Ministério do Trabalho, subordinado ao presidente, parlamentares ligados a centrais sindicais, como os deputados Luiz Antônio Medeiros (PL-SP) e Vicentinho (PT-SP), trabalharam para derrubar o texto negociado, que já tinha sido aprovado no Senado. Os deputados governistas atropelaram o entendimento costurado no Senado pelos líderes do PT, Ideli Salvatti (SC), e do governo, Romero Jucá (RR), com os ministros Gilberto Gil (Cultura) e Orlando Silva (Esporte).

Gilmar Machado, do PT, ajudou a derrubar o acordo

O texto, que havia sido aprovado pelos senadores, garantia que os incentivos fiscais para o esporte não viriam da mesma fonte de isenção fiscal que já beneficia os investimentos na cultura. O problema é que, pelo acordo firmado no Senado, as deduções de impostos para o esporte viriam da mesma faixa de isenção fiscal dos programas de alimentação para trabalhadores. Na opinião de Vicentinho e Medeiros, ligados a centrais sindicais, isso prejudicaria os trabalhadores.

Embora também seja do PT, o deputado Gilmar Machado (MG) foi quem mais trabalhou para derrubar o acordo feito pela sua colega de bancada, a senadora Ideli. Ele é ligado à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e, quando foi relator do Estatuto do Desporto, defendeu a legalização dos bingos para financiar esportes.

¿ Temos de restabelecer o texto deste projeto, que assegura recursos para o esporte e não retira dinheiro de ninguém. Para nós e para o esporte, é melhor manter o projeto da Câmara ¿ disse Machado, ao encaminhar a votação que derrubou o acordo feito no Senado, na noite de quarta-feira passada.

A Câmara votou a versão original, que não incluía o acordo feito no Senado. O relator do projeto no plenário da Câmara, Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), deu parecer contra o acordo feito com os artistas no Senado. Apenas PFL, PV e PSOL votaram a favor do acordo.

Agora, o assunto está sendo estudado na Casa Civil, que participou da redação do projeto aprovado pelo Senado. Mas os técnicos consideram que a sanção ou veto total do texto aprovado no Congresso não atende a nenhum dos dois setores. Por isso, Lula poderá sancionar a lei como está e editar uma medida provisória para estabelecer limites de isenção fiscal nas duas áreas.

¿ Os artistas subestimaram a Câmara e não apareceu ninguém. A Fernanda Montenegro achou que éramos amadores ¿ ironizou Faria de Sá, também integrante da base governista, numa referência à ida dos representantes da cultura apenas ao Senado para acompanhar a votação do projeto.

Lula recebe comissão de artistas e produtores hoje

Hoje, o presidente Lula recebe uma comissão de produtores culturais e artistas para tratar da sanção do projeto. Deve fazer parte do grupo atores como Fernando Montenegro, Beatriz Segall e Ney Latorraca, que participaram do acordo no Senado. Eles querem que seja restabelecido o texto votado pelos senadores. Da maneira como foi aprovado e que segue para a sanção do presidente, esporte e cultura dividirão o percentual de 4% de dedução ao qual as empresas têm direito. Pelo texto aprovado no Senado, os investimentos nos esportes dividiriam com os programas de alimentação dos trabalhadores o mesmo percentual de 4%.

O percentual de 4% de isenção fiscal representa, em valores absolutos, cerca de R$1,2 bilhão por ano. Dados do Ministério da Cultura indicam que apenas por intermédio da Lei Rouanet serão obtidos neste ano algo entre R$750 milhões e R$800 milhões para patrocinar projetos culturais. Na categoria de incentivos, onde está o programa de alimentação ao trabalhador e que também prevê isenções de até outros 4%, são obtidos apenas cerca de R$200 milhões. Ou seja, existe um excedente de aproximadamente R$1 bilhão que poderia ser usado para financiar projetos esportivos.