Título: Quando o assunto é o Iraque, observar Bush é como assistir a um reality show
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Fonte: O Globo, 28/12/2006, O Mundo, p. 26

Observar o presidente Bush nas últimas semanas é como assistir a um tenso reality show na TV. Em quase toda entrevista coletiva, discurso ou aparição pública para fotos, o assunto é o mesmo: o que fazer com a aflitiva guerra do Iraque. Bush deixou a ferida se abrir, ao admitir que a sua estratégia para a vitória não está funcionando. Mas agora o presidente encontra dificuldades em cicatrizar o machucado com novas palavras de confiança.

O estresse do trabalho de liderar os EUA ¿ muito bem disfarçado durante a maioria dos últimos seis anos ¿ começa a mostrar sinais no rosto de Bush. Agora, é comum percebê-lo sobrecarregado, distraído, assombrado por uma questão para a qual não tem uma solução rápida e boa. Quando um fotógrafo captura Bush relaxado ¿ como na foto feita em seu rancho no Texas, acompanhado da mulher, Laura, e publicada pela revista ¿People¿ na semana passada ¿ é como se ele tivesse escapado do saco de gatos que virou o Iraque.

Eu cresci numa Washington que agonizava com o pesadelo de ter fracassado na Guerra do Vietnã. Os integrantes do governo, na época, comportavam-se como se nunca tivessem falhado em suas vidas. Eles tinham aquela ¿confiança dos escolhidos¿, eram ¿os melhores e os mais inteligentes¿, como definiu David Halberstam. Mas aí a guerra começou a esmigalhá-los. Vejo que acontece o mesmo agora. Bush e seus aliados têm personalidades fortes, trabalham muito para que a população não perceba o quanto, na verdade, suam. Mas agora estão angustiados e exaustos.

Bush não é homem para introspecção. Basta ver o bom humor com que trata os jornalistas, os apelidos que dá para alguns deles, assim como para seus assessores. Talvez seja por isso que observá-lo passou a ser como ver um programa de TV: Bush vem falando para quem quiser ouvir e mostrando o turbilhão de emoções que há dentro dele. Ele está deixando sua ferida sangrar.

O presidente abriu a cortina emocional numa coletiva na semana passada, quando uma repórter lembrou que o presidente Lyndon Johnson não conseguiu dormir bem durante a Guerra do Vietnã. Perguntou se Bush sofria do mesmo em relação ao Iraque. O presidente deu uma resposta bastante pessoal: ¿O aspecto mais doloroso da minha Presidência é saber que homens e mulheres bons morreram em combate. Leio sobre isso todas as noites, e meu coração fica despedaçado quando penso na dor das famílias. Isso é muito doloroso para mim.¿

¿O estado de negação¿ de Bush, como corretamente colocou o jornalista Bob Woodward, oficialmente terminou. A frase dita na semana passada ¿Nós não estamos ganhando¿, na verdade, mostra que os EUA não descartam a idéia de deixarem o Iraque derrotados.

Os debates políticos na Casa Branca são freqüentemente descritos como batalhas entre assessores que competem entre si: Dick Cheney quer isso, os chefes militares preferem aquilo, Condi Rice optaria por uma terceira coisa. Este tipo de análise considera Bush um submisso dentro de sua própria casa. Mas eu acho isso um erro. Para Bush, sua opinião é a única que importa no final. E ele é um homem muito teimoso. Os militares podem dizer que a presença no Iraque é um erro, mas não significa que Bush irá ouvi-los.

Acho que ele não mente quando diz não ligar para pesquisas de popularidade, acredito em sua agonia em relação ao Iraque, e acho também que crê num julgamento favorável a ele no futuro, a ser feito por historiadores. ¿No futuro, historiadores olharão para o que eu fiz e avaliarão se as decisões que tomei faziam algum sentindo na época¿, disse numa entrevista.

O que torna os reality shows campeões de audiência é que tudo se desenrola ao vivo ¿ os participantes tomam suas decisões sob pressão, ganham ou perdem. O mesmo acontece com Bush. Ele aposta ¿ com vidas de americanos, dinheiro e a segurança nacional ¿ que suas decisões relacionadas ao Iraque estão certas. O parecer da comissão Baker-Hamilton deu a ele a chance de tirar algumas de suas fichas da mesa, mas Bush não parece interessado.

Ele ainda joga para ganhar. A platéia berra, dando conselhos. Mas o homem sob os holofotes sabe que terá que tomar sua decisão sozinho.

DAVID IGNATIUS é colunista do Washington Post