Título: Esporte e cultura selam a paz
Autor: Peña, Bernardo de la e Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 29/12/2006, O País, p. 3

Governo apresenta solução de consenso e encerra disputa por incentivos fiscais

A novela da disputa entre artistas e atletas por incentivos fiscais para financiar suas atividades parece ter chegado ontem a um final feliz. Depois de parlamentares da base governista derrubarem na Câmara o acordo que havia sido feito no Senado entre o setor cultural e os esportistas, o governo conseguiu encontrar uma solução: criou uma nova faixa de isenção fiscal para os esportes, completamente separada dos incentivos para a cultura e o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). Na prática, as empresas que declaram imposto pelo sistema de lucro real poderão deduzir até 1% do tributo devido para aplicar em projetos esportivos. Pelas estimativas do governo, os esportistas poderão captar até R$300 milhões de patrocínios por ano.

Além do incentivo para o esporte, as empresas poderão continuar destinando até 4% do imposto para incentivos à cultura, e 4% para o PAT. As atividades culturais poderão receber, no máximo, R$1,2 bilhão por ano em incentivos fiscais.

- Prevaleceu o bom senso. Foi encontrada a solução que que atendeu a todos nós - comemorou a atriz Nathália Timberg.

- Está bom demais, como se eu tivesse feito aquelas cestas de três pontos - disse Hortência, ex-jogadora da seleção brasileira de basquete.

Verbas apenas para o esporte amador

Para agradar aos dois lados, Lula, depois de se reunir ontem com os ministros Gilberto Gil (Cultura) e Orlando Silva (Esporte), anunciou que vai sancionar hoje, sem vetos, o texto aprovado pela Câmara que cria o incentivo fiscal para o esporte. Ao mesmo tempo, editará uma medida provisória criando a faixa de isenção fiscal exclusiva para o esporte e estabelecendo um limite às deduções de impostos para patrocínios esportivos.

O governo prepara ainda um decreto - feito nos mesmos moldes das regras para os investimentos culturais - para regulamentar os patrocínios e apoios ao esporte. A idéia é estabelecer as modalidades que receberão maior ou menor incentivo fiscal. Quanto mais prioritário o investimento para o desenvolvimento das categorias de base, maior a isenção. Os atletas profissionais não poderão ser patrocinados com base na lei. O modelo é o mesmo usado para a área cultural: o investimento num projeto que envolve música erudita recebe 100% de isenção fiscal. Já na MPB, o percentual é menor.

O anúncio da solução para a disputa entre os dois setores foi feito ontem em conjunto, no Palácio do Planalto, pelos ministros Gilberto Gil e Orlando Silva.

- Para nós do esporte, depois dessa longa novela, tivemos um final feliz - afirmou Silva, sorridente, ao lado de um também risonho Gil.

Segundo o ministro da Cultura, a própria Receita Federal participou da solução conjunta. A criação de uma nova faixa de isenção para o esporte não deve representar um problema para as contas públicas porque o teto de isenções previstas pela legislação não é totalmente utilizado pelo setor da cultura ou nos investimentos em programas de alimentação dos trabalhadores.

Gil explicou que o presidente resolveu adotar a sugestão feita pelos técnicos numa reunião pela manhã. À tarde, o ministro se reuniu com representantes da classe artística no Planalto. Eles manifestaram sua preocupação com a criação de categorias de isenção também para os projetos esportivos, e justificaram a reivindicação com o argumento de que, caso elas não fossem criadas, os investimentos na cultura sairiam prejudicados.

Silva quer primeiros patrocínios em 2007

Gil explicou, entretanto, que o governo tem essa preocupação e que as categorias serão criadas pelo decreto que vai regulamentar os investimentos nos esportes.

- A intenção é fazer com que essa experiência da Lei Rouanet migre para a Lei do Esporte. As diferenças nas alíquotas têm sido fundamentais para o grau de necessidade de apoio - disse Gil.

Segundo Silva, a regulamentação deve privilegiar e dar maior isenção fiscal para os programas de inclusão social por intermédio do esporte, para atletas sem patrocínio e para modalidades esportivas sem muita visibilidade. Para o ministro, o governo conduziu a discussão com três preocupações: observar a responsabilidade fiscal, garantir que a cultura não perdesse recursos e criar uma fonte de financiamento para o esporte.

- Um por cento é um nível de incentivo suficiente para o esporte nos próximos anos - avaliou.

Segundo ele, deve demorar alguns meses até que o decreto seja elaborado e os primeiros projetos sejam aprovados pelo ministério e comecem a receber o apoio dos patrocinadores. A expectativa no ministro do Esporte é de que em 2007, ano dos Jogos Pan-Americanos no Rio, o sistema já esteja funcionando:

- Esperamos que os corações dos empresários brasileiros se sensibilizem - concluiu o ministro.

Hortência: 'Há 23 anos corremos atrás dessa lei'

BRASÍLIA. A solução apresentada ontem pelo governo para a disputa por recursos que se criou com a aprovação da Lei do Esporte no Congresso foi comemorada por artistas, atletas, produtores culturais e dirigentes esportivos que foram ao Palácio do Planalto acompanhar o desfecho do problema. Agora, depois da solução para o problema, todos disseram que não havia briga entre os dois setores.

- Não existe rixa entre esporte e cultura. Em momento algum a cultura se colocou contra a lei para o esporte. O que não era possível era partir da mesma fonte. O cobertor é curto: um puxava para um lado e outro para o outro. Temos de perceber que a cultura não é uma coisa supérflua. Finalmente, essa sensibilidade começa a ser desenvolvida - celebrou Nathália Timberg.

O presidente da Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro, Eduardo Barata, fez coro à atriz:

- Fechamos um acordo que satisfaz aos dois setores. Cada um terá sua faixa de isenção. Nunca houve briga entre esporte e cultura. O que houve foi insatisfação porque colocaram os dois setores no mesmo inciso e estaríamos disputando a mesma verba.

Segundo Barata, mesmo na Câmara, onde havia sido derrubado o acordo feito no Senado, não deve haver resistências à medida provisória para solucionar o problema.

- Conversamos com os líderes e todos garantiram que a MP será aprovada - disse.

Entre os atletas que lutaram pela aprovação da lei, a solução também foi aprovada:

- Estamos num momento feliz. Há 23 anos corremos atrás dessa lei. Não foi fácil. Hoje, posso dar a respiradinha com mais tranquilidade. Nunca tivemos problemas com a classe artística - brincou Hortência.

O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, destacou a importância da lei para financiar investimentos em projetos esportivos em comunidades carentes:

- Em nenhum momento houve fissura na relação entre esporte e cultura. Trabalhamos em conjunto - afirmou.