Título: Centro vazio e clima tenso na despedida de 2006
Autor: Ramalho, Sérgio e Araújo, vera
Fonte: O Globo, 30/12/2006, Rio, p. 11

Freqüentadores de bar assustaram-se com fogos de artifício; em Botafogo, cabine metralhada virou atração

A tradicional chuva de papel picado no Centro do Rio não foi ontem a tempestade dos anos anteriores. Como os bancos estavam fechados e muitas empresas liberaram seus funcionários mais cedo - algumas por costume; outras por conta da onda de terror da véspera -, trabalhadores da área jogaram papel pelas janelas apenas na hora do almoço. À tarde, o clima no Centro era de cidade-fantasma. O bar Amarelinho, na Cinelândia, que normalmente lota às sextas-feiras, não teve uma happy hour concorrida. Às 17h30m, a maioria das mesas estava vazia. Nas ocupadas, o assunto era praticamente o mesmo: os ataques de anteontem.

Segundo o presidente do Conselho do Varejo da Associação Comercial do Rio, Daniel Plá, nenhuma empresa relatou falta de funcionários ou queda do número de clientes ontem. Mas a possibilidade de que novos episódios de violência acontecessem fez com que muitos voltassem para casa assim que acabou o expediente. Quem se aventurou nos bares do Centro pediu a conta mais cedo:

- Eu ficaria até 22h, mas hoje vou voltar cedo para casa. Pode ser que falte ônibus de novo - justificou o contínuo Renato da Silva, no Amarelinho.

Mesmo nos bares que estavam cheios, como o Café Gaúcho, na Rua São José, o clima era tenso. Quando estouraram fogos de artifício, os freqüentadores assustaram-se.

- Todo mundo deu um pulo - contou Leonardo Werneck, morador de Jacarepaguá.

O saldo de 18 mortos e 20 feridos da quinta-feira fez com que Leonardo, que planejava ver o show do Black Eyed Peas, em Ipanema, mudasse seus planos para o réveillon:

- Vou ficar em casa. Meus parentes que vêm de Minas estão apavorados.

Com jeito de apavorados estavam também os PMs escalados, ontem à tarde, para ficar ao lado da cabine que foi metralhada em Botafogo. Os cinco policiais, um deles com fuzil na mão, evitaram sentar dentro do carro da PM, com bancos rasgados e lataria amassada. Preferiram se abrigar atrás de uma jardineira com plantas altas.

- O clima está tenso, muito tenso - dizia um dos policiais, arregalando os olhos.

Cabine ficou com 55 perfurações de fuzil

À tarde, novos vidros foram instalados para substituir os estilhaçados. Mas a providência não foi suficiente para restaurar o clima de normalidade. Ainda era possível ver as marcas da perícia, que assinalou com giz cada uma das 55 perfurações da cabine, diante da qual morreu a ambulante Sueli Maria de Souza. Parentes da vítima voltaram a depositar flores no local, diante do qual o publicitário Ricardo Brasil fez questão de ser fotografado por uma amiga:

- Eu morava em São Paulo na época dos ataques do PCC. Mas lá era tudo na periferia, eu não via. Mas aqui foi na Zona Sul. Diante da cabine, fico assustado. Mas não vou deixar de sair de casa, só evitar lugares mais perigosos, como a Perimetral.