Título: É justo uma mãe enterrar seus filhos?
Autor: Ramalho, Sérgio e Araújo, vera
Fonte: O Globo, 30/12/2006, Rio, p. 11

Motorista morto em delegacia é o segundo que Maria do Carmo, de 68 anos, perde para a violência

Trabalhador. Assim amigos e parentes definiram Luiz Carlos Moreira da Silva, de 48 anos, morto com um tiro de fuzil na cabeça quando saía da 28ª DP (Campinho), na madrugada de quinta-feira. O velório e o enterro foram realizados ontem de tarde, no Cemitério de Inhaúma. Luiz Carlos registrava uma queixa contra o vizinho por causa de um vazamento de água, que inundava a cozinha do apartamento, alugado em Cascadura. Ele era o filho mais velho de Maria do Carmo, de 68 anos, e o segundo que ela perde para a violência da cidade. Em 1986, seu irmão tinha 21 anos e esperava ser efetivado pela PM quando foi assassinado em uma emboscada em Pilares. Desde então, Maria do Carmo vive em Santa Cruz.

- É justo uma mãe enterrar seus filhos? Isso nunca deveria acontecer. Sinto uma dor muito grande, um pedaço de mim foi junto com ele. Olho para o caixão e penso que ele vai falar e voltar porque era tudo para a gente. Desde criança era lindo, foi escolhido um "Bebê Johnson". Ultimamente ele trabalhava demais. Eu pedi, semana passada, para ele descansar um pouco. Ele prometera que ia pensar, mas não deu tempo - disse a mãe.

O dia de Luiz Carlos costumava começar às 4h30m, quando a filha ou a ex-mulher, ligavam para o acordar. Apesar de separado há sete anos, mantinha estreita amizade com a advogada Rosângela Nunes, de 52 anos. Depois de cumprir a jornada numa firma que presta serviços para a CEG, ele ainda fazia entregas com sua Kombi para outras empresas. Durante o Natal, trabalhou para bufês e até nos fins de semana procurava serviço.

Filha viu foto do corpo no jornal sem saber que era o pai

Sua filha, Luiza Nunes da Fonseca Silva, estudante de marketing, de 23 anos, acompanhou o noticiário sobre o terror imposto por traficantes na cidade, viu a foto de um homem morto em frente à delegacia, mas só soube da morte do pai no fim da manhã de ontem. Ela ligou para o acordar, como fazia habitualmente, mas ninguém atendeu. Em seguida, o procurou no trabalho. Preocupada, porque Luiz Carlos tinha diabetes, Luiza foi até a casa dele, quando soube, pelo vizinho que tinha se desentendido com pai por causa de um vazamento de água, que ele morrera na 28ª DP.

- Vi no jornal a foto sem imaginar que seria o meu pai. Ele foi morto como um bandido, com um tiro de fuzil na cabeça, quando estava na delegacia pedindo segurança. Ainda não caiu a minha ficha. Tudo dele era para a família. Era um pai presente. Ele se esforçava para pagar minha faculdade. Agora tentarei terminar os dois períodos que faltam. Seria um orgulho para ele me ver formada - disse Luiza.

Luiz Carlos deixou cinco irmãos, entre eles a dona-de-casa Carmem Lúcia Moreira da Silva, de 38 anos, que o considerava o ponto de equilíbrio da família:

- Era o nosso irmão mais velho, um paizão para a gente.

Menino ainda não sabe que ficou órfão

Garoto que ambulante protegeu com o próprio corpo recebe alta

Um menino que alterna momentos de tranqüilidade com outros de extrema tristeza. Assim a família de Gabriel Lima Brito, de 6 anos, o descreve. Segundo a tia dele, Antônia Braga, o garoto ainda não sabe que sua mãe, a ambulante Sueli Maria de Souza, de 33 anos, morreu. Ela foi uma das vítimas da onda de ataques que tomou conta do Rio de Janeiro entre a noite de quarta-feira e a manhã de anteontem: Sueli fez-se de escudo humano para proteger o filho das balas disparadas por traficantes contra uma cabine da PM na Praia de Botafogo. Gabriel acabou atingido de raspão. Ele foi liberado ontem de manhã do Hospital Miguel Couto.

- Ele reclama que não sabe do estado de saúde da mãe. Mas ainda não sabemos como dar a notícia - contou Antônia.

Segundo ela, o menino parece saber que algo grave aconteceu com Sueli:

- Ele suspira e os seus olhinhos se enchem de água.

Anteontem, quando recebeu a visita do pai, Francisco Braga Brito, de 45 anos, Gabriel viu que a calça dele estava suja. E disse: "Pai, quem é que vai limpar sua roupa agora? A mamãe não pode mais".

Policial morto queria ser pai no próximo ano

PM foi executado em frente a prédio do ex-secretário

O PM Robson Padilha Fernandes, de 28 anos, morto com 12 tiros na madrugada de quinta-feira na Lagoa, em um dos ataques que atingiram o Rio, tinha um projeto especial para 2007: ter um filho. O policial, que estava há menos de um ano trabalhando na corporação, foi enterrado ontem no cemitério de Sulacap.

Robson, que morava em Queimados, foi assassinado na Avenida Epitácio Pessoa, numa patrulha estacionada em frente à casa do ex-secretário de Segurança e deputado eleito Marcelo Itagiba. Em seu enterro, colegas de profissão repetiam a frase "a gente não agüenta mais isso" a todo momento. Familiares do policial lamentaram a falta de segurança e de assistência por parte do estado.

- A gente falava para o Robson: "não seja PM", mas era o sonho dele. Sem segurança, era melhor continuar trabalhando como trocador do que morrer tendo a vida toda pela frente. Onde estão as autoridades para dar assistência à família? - indagou a cunhada do rapaz, Cirlene Martins, de 28 anos.

Para o irmão do policial, Ronaldo, Robson sabia dos riscos da profissão. A família ficou chocada com o que chamou de ato covarde:

- Estou triste pela morte do meu irmão, mas o que mais me entristece é que ele é mais um jovem que se vai nessa guerra sem sentido, nessa violência sem preço - desabafou o vendedor de 49 anos, que mora desde o ano passado em Belo Horizonte.