Título: As últimas horas de Saddam
Autor:
Fonte: O Globo, 30/12/2006, O Mundo, p. 29

Autoridades iraquianas decidem adiantar enforcamento, apesar de feriado muçulmano

BAGDÁ

O ex-ditador iraquiano Saddam Hussein pode estar tendo suas últimas horas de vida. Segundo os promotores que o condenaram por crimes contra a Humanidade e fontes do governo iraquiano, tudo indicava que ele seria enforcado na manhã de hoje, possivelmente às 6h (horário local). O governo americano alertou todas as suas embaixadas que Saddam será morto no máximo em alguns dias.

Advogados de defesa de Saddam afirmaram ontem que uma reunião que haviam marcado com seu cliente para a semana que vem foi cancelada. Autoridades americanas pediram que um dos defensores retirasse os objetos pessoais do ex-ditador. Atendendo a um pedido do ex-ditador, Saddam recebeu a visita de dois meio-irmãos - que também estão presos acusados de crimes cometidos durante o regime derrubado em 2003 - na noite de quinta-feira, no que foi considerado uma despedida.

Chegou-se a falar que a guarda de Saddam teria sido entregue pelos militares americanos aos iraquianos, o que seria o último passo antes de sua execução. A informação, no entanto, foi negada pelo Departamento de Estado dos EUA. Um alto funcionário do governo iraquiano afirmou que os americanos só deixarão a guarda de Saddam quando "ele subir no patíbulo" para impedir qualquer tentativa de livrá-lo da morte.

Apesar de estar recebendo pressões internacionais, o primeiro-ministro do Iraque, Nuri al-Maliki, garantiu que ele será executado logo.

- Qualquer um que rejeite a execução de Saddam está desrespeitando os mártires do Iraque e sua dignidade. Ninguém pode anular a sentença - disse Maliki. - Não há possibilidade de haver qualquer revisão ou adiamento.

Governos ocidentais e organizações de defesa dos direitos humanos pediram ao governo iraquiano que não enforque Saddam, por discordarem do princípio da pena de morte.

Segundo o juiz Muneer Haddad, do Alto Tribunal Iraquiano, o enforcamento de Saddam só depende de um pequeno detalhe técnico. Funcionários do tribunal que condenou Saddam estariam preenchendo o documento formal com a sentença do ex-ditador, para ser entregue a ele. No Iraque, o documento é conhecido como "cartão vermelho", e foi muito usado pela temida polícia secreta do regime de Saddam.

- Nós praticamente já terminamos com o cartão vermelho dele - disse Haddad.

Um alto funcionário iraquiano que participou das negociações do governo para a execução do ex-presidente disse ter ficado profundamente desapontado pois, depois de anos de investigação e deliberações cuidadosas, o processo poderia ficar comprometido nos seus momentos finais devido a uma pressa politicamente criada para a execução do réu.

- De acordo com a lei, nenhuma execução pode ser realizada durante feriados - disse ele, que pediu para permanecer em sigilo. - Depois de todo o trabalho que tivemos, por que quebrar as leis e arruinar o que construímos?

O grande problema que as autoridades iraquianas enfrentam é a decisão política de matar Saddam ainda este ano e o começo do feriado do Eid ul-Adha, neste fim de semana. O festival dura quatro dias.

Ex-presidente poderia ser morto até 12h de hoje

A polêmica gira em torno do início do festival. O Eid ul-Adha começa domingo para os muçulmanos xiitas, maioria da população do Iraque. Mas para os muçulmanos sunitas, o feriado começa hoje, o que poderia impedir ou tornar ainda mais explosiva a execução da sentença.

O assunto provocou acalorados debates dentro e fora do governo, que é dominado por xiitas, que foram perseguidos pelo sunitas de Saddam durante a ditadura.

- Amanhã (hoje) não é o Eid. O dia oficial para o começo do Eid no Iraque é domingo - disse o juiz Haddad, que é xiita.

Perguntado se não seria importante, em termos religiosos, seguir a opção do réu, que é sunita, Haddad respondeu:

- Saddam não é sunita. E não é xiita. Ele não é muçulmano.

Clérigos islâmicos convocados pelo governo afirmaram que o Eid começará hoje às 12h para os sunitas. Isso levou integrantes do governo iraquiano a anunciarem extra-oficialmente que o ex-ditador deve ser enforcado hoje ao amanhecer.