Título: Governo americano pede lei do silêncio sobre caso Saddam
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 30/12/2006, O Mundo, p. 30

Assessores e ministros evitam, a pedido do presidente Bush, comentar enforcamento, solicitando que somente integrantes do governo iraquiano dêem informações sobre forca

WASHINGTON. O governo dos EUA reagiu ontem com um tom pragmático em relação à iminente execução de Saddam Hussein: "A condenação já foi determinada. O quanto antes ele for enforcado, melhor. Termina assim uma era de terror no Iraque", disse um assessor da Casa Branca.

O comentário foi feito extra-oficialmente. Circulara, logo de manhã, uma ordem expressa dizendo a todos que passara a imperar a lei do silêncio. Nem o próprio presidente George W. Bush diria algo até que voltasse à Casa Branca, na tarde da próxima segunda-feira, depois de alguns dias no Texas.

Perguntados insistentemente a respeito, porta-vozes do governo simplesmente sugeriam aos repórteres que tratassem de conversar com as autoridades do Iraque sobre a execução.

- O enforcamento de Saddam é um assunto do soberano governo do Iraque - disse Scott Stanzel, vice-secretário de imprensa da Casa Branca.

Pressionado, ele repetiu o que dissera no dia anterior:

- A decisão do Tribunal de Recursos de manter a sentença (de Saddam) foi um marco importante nos esforços do povo iraquiano em trocar o império da tirania pelo império da lei.

A única reação palpável do governo americano foi a renovada ordem de Bush para que o Pentágono se preparasse para o pior - leia-se: reações violentas de iraquianos a partir da divulgação da morte de Saddam. A expectativa generalizada era a de que curdos e xiitas deveriam comemorar a execução. Mas sunitas - grupo ao qual pertence o ex-ditador - poderiam causar novos problemas, justamente no momento em que os soldados americanos tentam (sem êxito) sufocar a insurgência de grupos xiitas.

- Nossas tropas no Iraque estão obviamente em alto estado de alerta o tempo todo, devido ao ambiente em que elas operam e à atual situação de segurança. Os soldados obviamente levarão em conta as dimensões sociais que poderiam potencialmente levar a um aumento da violência por causa do cumprimento da sentença de Saddam Hussein - disse Bryan Whitman, porta-voz do Departamento de Defesa.

Segundo Stanzel, Bush não estava ansioso por notícias sobre o enforcamento de Saddam. A sua preocupação maior seria a de obter uma nova estratégia para lidar com a situação naquele país. A idéia mais recente seria o envio de mais 17 mil a 20 mil soldados para o Iraque.

O grupo seria formado por homens do Exército e do Corpo de Fuzileiros Navais. Tal reforço ficaria instalado basicamente ao redor de Bagdá que, até hoje, ainda não foi controlada.

- Se a opção é a de aumentar o nosso contingente a curto prazo, o melhor a fazer é utilizar homens que já estiveram na região, no nosso sistema de rodízio. Se a opção fosse por reservistas, levaríamos vários meses para prepará-los - disse ao GLOBO um assessor do Pentágono.

Bush pretende anunciar a nova estratégia até a segunda semana de janeiro. Antes disso, porém, ele terá de apresentar o novo plano ao Congresso. E, além disso, negociar as novas medidas com o primeiro-ministro Nuri Kamal al-Maliki, que já antecipou ao Pentágono que não estaria de acordo com tal estrutura. Em sua opinião, Bagdá deveria ficar sob o controle de forças iraquianas.

A idéia de se aumentar o contingente já vinha sendo considerada há semanas. O debate atual seria especificamente sobre o número de soldados necessários. A princípio dizia-se que o reforço seria utilizado para intensificar o treinamento de iraquianos - militares e policiais. Agora, no entanto, está ganhando força a tendência de utilizar tropas de combate, uma vez que a maior necessidade no momento é a de interromper a escalada de atentados.

Segundo fontes do Pentágono há divergências ainda com relação ao número de soldados adequado para essa tarefa. Isso porque, segundo alertou o próprio secretário de Defesa, Robert Gates, é preciso se preocupar com algo mais: a reconstrução mais rápida de casas, fábricas e outras instalações - inclusive do governo iraquiano - destruídas ao longo da guerra.