Título: Delegacias modernas, problemas antigos
Autor: Rocha, Carla e Amora, Dimmi
Fonte: O Globo, 31/12/2006, Rio, p. 22

Maioria das unidades está informatizada, mas índice de solução de homicídios é cada vez menor no estado

O Programa Delegacia Legal, o principal projeto na área da segurança pública lançado por Anthony Garotinho, em 1999, e continuado por Rosinha Garotinho, conseguiu mudar a cara da maioria das antigas DPs do estado, mas ainda está longe de ser, como prometia o governo, um poderoso instrumento contra a criminalidade. Atualmente, das 165 delegacias do estado, cem ganharam nova arquitetura, estão informatizadas e tiveram as carceragens extintas.

O investimento total no programa, inclusive com a construção de 11 casas de custódia, foi de aproximadamente R$300 milhões nesses oito anos. Mesmo com essas melhorias, especialistas em segurança afirmam que a idéia original do projeto foi descaracterizada. Restou, portanto, apenas um projeto de modernização que não conseguiu eliminar antigos problemas, como o baixo índice de elucidação de crimes.

O ex-subsecretário de Segurança do Rio Luiz Eduardo Soares, que participou na implantação do projeto, e foi demitido por Garotinho em 2000, observa que o programa está incompleto:

- A delegacia legal é um Boeing que está funcionando como táxi. Tem um estrutura bem montada, muito superior ao que tínhamos no passado, mas o seu potencial não é usado como deveria - diz.

Índice de elucidação de homicídios cai para 1,5%

Segundo Soares, quando foi criado, o Programa Delegacia Legal previa não apenas a modernização das DPs, mas também a racionalização da ação policial, com o objetivo ganhar tempo, melhorar a investigação e reduzir os índices de violência. Para isso, os bancos de dados de todas as delegacias, agora informatizadas e interligadas, seriam analisados diariamente por grupos de estudos, que teriam a missão de abastecer a própria polícia sobre as características e incidência de crimes em todo o estado. De acordo com o ex-subsecretário, a descaracterização do projeto pode ser exemplificadas em números. Ele afirma que há dez anos o percentual de elucidação de homicídios era de 7,8%, hoje é de 1,5%:

- Cada Área de Integrada de Segurança teria um grupo de estudo, que analisaria diariamente os dados armazenados pelas delegacias legais. Com esse poderoso sistema online, o Estado poderia identificar as áreas críticas e criar políticas específicas para reduzir os índices. Era a mudança da polícia reativa para a política pró-ativa, que se anteciparia aos crimes. Em Nova York, isso foi feito e deu resultados - afirma

Opinião semelhante tem o cientista político e coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, João Trajano Sento-Sé. Ele concorda que foram importantes os investimentos nas delegacias, mas observa que faltaram outras etapas do projeto que pudessem melhorar o trabalho de investigação da polícia. Além disso, mesmo com a informatização e a criação de novas rotinas de trabalho, a Polícia Civil continua pouco transparente, segundo o cientista.

Sento-Sé aponta ainda as dificuldades de manutenção das novas delegacias. A primeira Delegacia Legal inaugurada, a 5ª DP (Centro), é um exemplo disso. Na semana passada, a unidade não podia atender pessoas que queriam registrar a perda de documentos. Motivo: o sistema estava fora do ar e não havia previsão de retorno. Na porta da DP, uma antiga prática: quatro veículos apreendidos em outubro continuavam estacionados na rua, embora o governo tenha criado o Pátio Legal para guardar material apreendido nas operações.

- O projeto Delegacia Legal era extraordinário. Cria novas instalações, melhora as condições de trabalho dos policiais e de atendimento da população, mas pelo que noto o projeto frustrou nossas expectativas. A meu ver, o programa ficou apenas numa boa obra de infra-estrutura. A polícia continua com uma baixa elucidação de crimes - diz Sento-Sé.

O coordenador do Programa Delegacia Legal, Cesar Campos, tem um discurso diferente. Num extenso documento enviado ao jornal, no qual cita o reconhecimento inclusive internacional do programa, Campos afirma que "o principal objetivo da mudança (das delegacias) é aumentar a produtividade e a qualidade dos serviços prestados pelo policial, através do uso de tecnologia, de treinamento permanente e da reestruturação dos métodos e processos de trabalho, proporcionando um atendimento adequado e eficiente à população".

O presidente do Sindicato dos Delegados do Rio, Vinicius George, também é defensor da modernização das delegacias, mas reclama que a grande interferência política no projeto impediu que ele tivesse o secesso esperado. Na sua avaliação, outro grande problema da polícia não foi resolvido: o passivo de milhões de inquéritos que abarrotam os acervos cartorários. Eles receberam todos os inquéritos que existiam nas antigas delegacias, mas continuam com a mesma infra-estrutura: poucos policiais e carros sem condições de uso. Na unidade da Barra, os policiais usam máquinas de escrever.

- Tivemos uma piora na atividade-fim. Mesmo com todo aparato tecnológico e com as novas instalações, estamos com um baixo percentual de elucidação de crimes. Na verdade, piorou - afirma Vinicius.