Título: Anticlímax no fim da dinastia Garotinho
Autor: Rocha, Carla e Amora, Dimmi
Fonte: O Globo, 31/12/2006, Rio, p. 22

Casal encerra 8 anos de mandato em meio a onda de ataques do tráfico, um dos pontos vulneráveis do estado

Os esforços para inaugurar obras, algumas ainda inacabadas, e os gastos em propaganda, um dos mais altos dos últimos governos, não impediram um anticlímax na reta final dos oito anos da dinastia Garotinho no Rio. Apesar de projetos como o da Delegacia Legal, da informatização dos registros policiais e de ter publicado pela primeira vez as estatísticas de criminalidade, a administração do casal encerra seu ciclo com uma onda de ataques do tráfico. Um dos pontos mais vulneráveis do estado, a segurança ainda será a herança mais desafiadora para o próximo governo.

Os prós e os contras dos dois governos - de Anthony Garotinho, de 1999 a abril de 2002, e de Rosinha, de 2003 a 2006 - podem ser constatados em áreas privilegiadas na gestão do casal, como assistência social, e em setores mais complicados, como infra-estrutura. Houve programas como o Restaurante Popular, que teve êxito e foi copiado por outros estados. E obras importantes, prometidas há mais de 20 anos, que foram iniciadas, como o saneamento da Barra da Tijuca.

A dinastia dos Garotinho começou em 1999, quando ele herdou do governador Marcello Alencar um estado em dificuldades financeiras. Nos primeiros meses de seu governo, Garotinho foi para Brasília renegociar a dívida e conseguiu, com o empenho de receitas futuras, sanear as contas. Até 2002 o governo tinha equilíbrio fiscal, abalado por uma ruinosa gestão naquele ano. Garotinho atribui os problemas a Benedita da Silva, que assumiu de abril a dezembro. Benedita diz que Garotinho gastou demais e não havia como controlar.

Os dois respondem a ação na Justiça por causa do rombo de mais de R$2 bilhões deixado para Rosinha. A governadora passou seus quatro anos tentando equilibrar o caixa e escapar das sanções da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas vai entregar um estado com um déficit semelhante ao que recebeu. O governador eleito Sérgio Cabral teme não ter recursos para pagar salários a partir de janeiro, mas Rosinha garante que eles existem.

Uma brisa suave sopra sobre a economia do estado, que deu sinais de recuperação e promete dias melhores a partir de 2010. Os economistas divergem sobre os resultados. Enquanto alguns atribuem a alavancagem de indicadores econômicos à indústria do petróleo, o estado defende seus números. O secretário de Desenvolvimento Econômico, Maurício Chacur, comemora o fato de que a balança comercial do estado fechará este ano com superávit de US$3 bilhões, o dobro de 2005. O petróleo representa 50% desse total.

- Mas, ao contrário do que afirmam alguns pessimistas de plantão, o extrativismo representa 19,4% do PIB do Rio, mas ele não é todo petróleo - defende Chacur. - Se todos os investimentos acontecerem dentro do que está previsto, o estado vai ser outro em 2010. Nós vamos com certeza recuperar a nossa participação no PIB nacional, que chegará a 15%, índice da década de 70.

Há especialistas que acham que a política econômica dos Garotinho fez mais espuma do que resultados.

- Houve pouca política efetiva. Ele criou 30 tipos de incentivos fiscais diferentes, alguns sem nenhuma necessidade e outros, de forma correta. Quando a gente olha para o interior, claro que Porto Real teve crescimento expressivo do PIB, porque saiu do zero. Mas o crescimento do PIB do estado como um todo foi inexpressivo. Entre 70 e 2003, a economia do Rio é a que menos cresce entre todos os outros estados da federação, segundo dados do IBGE - analisa o economista Mauro Osório, professor de economia política da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ.

Os programas sociais criados pelo governo estadual - como o cheque-cidadão e remédio a R$1 - não tiveram o resultado esperado na redução da pobreza. De acordo com o governo, cerca de 1,8 milhão de moradores do Rio estão sob a "rede de proteção" do estado, mas um estudo recém divulgado pela Fundação Getúlio Vargas, que vem sendo exibido como um trunfo pelo estado, traz dois gráficos sobre o desempenho social do Rio que põem em xeque o resultado dessas políticas. Enquanto a pobreza no Brasil caiu 14,1% de 1997 a 2005, no Rio a queda foi de pífios 2,6% no mesmo período, que teve a presença dos Garotinho em pelo menos sete desses nove anos.

Cem mil famílias com R$100 por mês

Especialistas criticam ações populistas, como remédio a R$1, com fins eleitorais

Ao retirar recursos públicos da saúde e da educação para destiná-los a programas sociais, o casal Garotinho deu o sinal claro de qual seria a marca de sua administração. Do cheque-cidadão ao restaurante popular, passando pelas farmácias populares, o casal abriu mais de 60 frentes de programas sociais. Somente o cheque-cidadão, que começou em 1999, na gestão de Anthony Garotinho, beneficiando 26 mil famílias, deve chegar agora, ao fim de oito anos, a cem mil famílias atendidas mensalmente com um cheque de R$100.

Da idéia original do cheque-cidadão saíram outras, como o cheque-saúde para os portadores de hanseníase, o cheque trabalhador rural para o período de entressafra, o cheque-pescador artesanal para quando o mar não está para peixe.

Procurada pelo GLOBO para fazer um balanço de sua gestão, a secretária estadual de Família e Assistência Social, Sílvia Barreto, não quis atender ao jornal. De acordo com a assessoria de imprensa da secretaria, todos os dados sobre o desempenho da área foram fornecidos pela própria governadora Rosinha Garotinho durante seu discurso de prestação de contas na Alerj há dez dias.

A cientista política Lúcia Hipólito, diz que as políticas assistencialistas pavimentam um solo político fértil.

- Você investe uma bobagem e recebe de volta a gratidão das pessoas, o voto e tudo mais. É muito rentável. O remédio a R$1, que o governo Rosinha fez, canibalizou as farmácias dos hospitais, que davam remédio de graça. Isso está dentro de um cálculo político - analisa Lúcia Hipólito. - A contribuição de Garotinho e Rosinha para a degradação dos costumes políticos do Rio foi inestimável, em termos de baixar o nível de civilização.

Segundo os dados apresentados pela governadora, o Programa Restaurante Popular, que oferece refeições a R$1, outro pilar das administrações Garotinho, já são nove no estado. Este ano o estado comemorou já ter servido 35 milhões de refeições desde o início do programa há seis anos, quando a primeira unidade foi construída: o Restaurante Popular Betinho, em homenagem ao sociólogo Herbert de Souza, na Central do Brasil.

Rosinha também lembrou o hotel popular, voltado para a população sem teto, que já atendeu mais de 125 mil clientes. Outro é Um Lar para Mim, que estimula os servidores públicos estaduais a adotar crianças e adolescentes órfãos ou abandonados: 170 crianças e adolescentes foram acolhidas.

O populismo dos Garotinho tem feições próprias. Não pode ser comparado, por exemplo, ao do ex-governador do Rio Leonel Brizola - cujo primeiro mandato foi de 1983 a 1987 e o segundo, de 1991 a 1994 - nem com o do ex-presidente Getúlio Vargas - à frente do país de 1934 a 1945 e de 51 a 54. Para os analistas, a única semelhança é a grande capacidade de comunicação com a camada mais pobre da população.

- Brizola era populista, mas tinha uma identidade política. Garotinho não é nada disso, ninguém sabe muito bem que idéias ele defende - diz o diretor do Ibase, o sociólogo Cândido Grzybowski.

Mais dinheiro não fez saúde melhorar no Rio

Gastos no setor aumentaram 5 vezes, mas hospitais vivem com problemas de gestão

Mais dinheiro, menos qualidade nos serviços. Por incrível que possa parecer, esta é a equação vigente na saúde no Rio de Janeiro nos últimos oito anos. O orçamento da Secretaria estadual de Saúde aumentou em quase cinco vezes em relação a 1998, sem descontar a inflação. No entanto, os hospitais da rede estão sucateados, vivem num constante clima de caos administrativo e o atendimento é cada vez pior.

No discurso de despedida, a governadora tinha pouco a dizer sobre o tema. Como destaque, citou apenas a queda de 26,5% da mortalidade infantil, entre 1997 e 2003. O índice é pouco significativo. Acompanha uma tendência nacional de queda de 24,4% no período. Rosinha citou ainda a construção de quatro novos hospitais e reformas de outros, ampliando a rede em 1.208 leitos.

As conquistas, segundo o texto, aconteceram graças aos investimentos que passaram de R$572 milhões em 1999 para R$2,6 bilhões em 2006. Mas grande parte dos recursos na saúde é usado para pagar projetos assistenciais e de saneamento, segundo o deputado estadual Paulo Pinheiro.

A falta de recursos levou a problemas de pagamento de fornecedores. Hospitais ficaram sem serviços essenciais e até sem alimentação para os doentes. Segundo Pinheiro, R$1,4 bilhão foi desviado em 2003 e 2004 para outros programas. Em 2005, o desvio foi de 33% do orçamento de R$2,1 bilhões.

- Só para cheque-cidadão, juros do PDBG e saneamento básico foram R$350 milhões em 2005. Os recursos não chegam aos hospitais e, quando chegam, são mal geridos. Praticamente não existe licitação no governo - disse Pinheiro.

Outro problema é o grande número de terceirizados. O futuro governo estima que haja nove mil contratados sem concurso. No discurso, Rosinha diz que contratou por concurso 8.705 servidores, aumentando em 61% o número de servidores. O GLOBO pediu entrevista ao secretário Gilson Cantarino, mas ela não foi concedida.