Título: Perda de meio milhão de pacotes
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 31/12/2006, Economia, p. 29

Caos reduz em 25% movimento no setor hoteleiro no verão. Rio tem prejuízo de R$35 milhões

Perdas de R$35 milhões nos hotéis cariocas, movimento 25% menor em média na hotelaria nacional, menos 567 mil pacotes turísticos domésticos vendidos no Brasil. A indústria do turismo começa a fazer as contas dos prejuízos que a crise do setor aéreo - que se arrasta há mais de dois meses e desesperou os passageiros nas vésperas do Natal - causou ao turismo do país no melhor momento dessa atividade econômica, o das festas de fim de ano e das férias escolares. Segundo a Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav nacional), cerca de 10% dos pacotes já comprados para o verão foram cancelados, e houve 15% de queda nas vendas em relação ao ano passado no movimento que costuma acontecer com antecedência para o período de férias entre janeiro e fevereiro.

No ano passado, foram vendidos 2,27 milhões de pacotes domésticos para o verão deste ano. Com essa queda de 25%, entre cancelamentos e vendas frustradas, chega-se a mais de meio milhão de pacotes nas prateleiras das agências e das operadoras de turismo. E, segundo Edson Ruy, diretor da Abav nacional, que reúne as agências, e também da Braztoa, que representa as operadoras de turismo, há poucas chances de haver uma recuperação das vendas em janeiro:

- Duvidamos muito que, pelo menos em janeiro, as vendas retornem. A compra de um pacote de férias para outros estados é decidida com dez a 15 dias de antecedência. Os turistas devem estar procurando alternativas dentro dos seus estados. Aqui no Espírito Santo, por exemplo, a região de montanhas, que registra pouco movimento no verão, está cheia. Mais um indício de que as famílias vão procurar opções de lazer mais próximas.

No Rio, a ocupação deve cair para 70%

Alfredo Lopes, da Associação Brasileira da Indústria Hoteleira (ABIH-Rio), estima, com base no movimento de reservas, queda na taxa de ocupação em janeiro e fevereiro, o que representará perda aproximada de R$35 milhões para os 27 mil hotéis do Rio. A taxa de ocupação, que atingiu 80% no verão passado, deve ficar entre 68% e 70% este ano:

- E com essa situação de violência, não há como prever os efeitos no movimento. Queimaram um ônibus interestadual, com passageiros dentro. A nossa esperança era o turismo rodoviário, mas, com isso, até essa opção fica prejudicada.

Diante da situação da cidade, Lopes entrou com uma ação civil pública contra a União, "pelos prejuízos irreparáveis à imagem da cidade". A meta é fazer o governo adotar alguma medida para resolver definitivamente o impasse aéreo, "que todo o dia tem um capítulo diferente".

- O Rio é o estado que mais sofre com a crise. É a porta de entrada do turismo internacional (responde por 44% do fluxo estrangeiro). A insegurança criada com o acidente do avião da Gol (em 29 de setembro, que causou a morte de 154 passageiros) se somou à desorganização nos aeroportos. Esse foi o golpe final no turismo internacional. As agências estrangeiras estão desaconselhando a vinda ao Brasil - disse Eraldo Alves da Cruz, presidente da ABIH nacional, que prevê uma taxa de ocupação no Brasil de 60%. - Na alta temporada, ela supera 80%.

A queda no Rio atinge o movimento de Foz de Iguaçu. Segundo Cruz, os turistas estrangeiros que chegam ao país pela cidade costumam ir também às cataratas. A perda estimada é de 25%, diz Marcelo Valente, diretor da ABIH na região. Desde a crise na Varig, o turismo local está retraído:

- Foi o pior para nós.

Nas operadoras de turismo, as queixas se repetem. Segundo a Bessitur, operadora carioca, o caos no transporte aéreo fez estragos antes mesmo do Natal. A empresa fretou mil lugares com a Webjet no início de novembro. Dos mil pacotes que esperava vender, só 10% foram comprados. Com esse resultado, além de gastos em publicidade, o empresário Roberto Bessi devolveu o fretamento e acomodou os clientes em vôos de linha. As vendas como um todo caíram 50%, segundo Bessi:

- Em 39 anos de turismo, nunca vi crise semelhante. Tentaremos promoções no setor hoteleiro para recuperar as vendas. E rezaremos para que os turistas voltem antes do fim da alta temporada.

Na CVC, a maior operadora de pacotes turísticos da América Latina, houve cancelamentos, mas nada expressivo. Só na primeira semana de janeiro será possível ter um balanço geral dos efeitos dos problemas nos vôos, diz a operadora.

A atriz Tânia Tavaris está entre as pessoas que preferiram abandonar os planos de viagem de férias para São Paulo e ficar pelo Rio mesmo. Há quatro anos na cidade, deixou o passeio para o segundo semestre, quando espera que a situação nos aeroportos esteja resolvida. Ela foi uma das vítimas da desorganização e preferiu não arriscar nas férias.

- Fui a São Paulo no início de novembro e, na volta, já peguei a confusão nos aeroportos. Não acreditei no que vi. Levei mais de três horas para voltar para o Rio. Queria muito viajar, mas acho complicado e não quero me aborrecer nas minhas férias com os atrasos no aeroporto.

Sem malas e sem passaporte

Mauro Nogueira é um turista que deve desistir do Rio de Janeiro. Ele chegou na cidade em 26 de dezembro e suas malas se extraviaram. Desde então, tenta reaver seus pertences com a TAM. O administrador, que mora em Londres, está inclusive sem o passaporte, que despachou junto com a bagagem.

- Fui duas vezes ao Aeroporto Internacional Tom Jobim. Ninguém atende no 0800 da companhia. Estou desesperado. Semana que vem, volto para casa e estou sem passaporte. Quero processar a TAM.

Ontem de manhã, o clima no Tom Jobim era de tranqüilidade. Os passageiros embarcavam normalmente, apesar de pequenos atrasos nos vôos. Maria Alice Amando, que ia para Brasília, ficou surpresa:

- Estava preocupada com o que ia encontrar, mas está tudo bem.

COLABORARAM Bruno Rosa e Luciana Anselmo

NORDESTE FOI A REGIÃO QUE MAIS PERDEU COM O CAOS NOS AEROPORTOS, na página 30

"Duvidamos muito que, em janeiro, as vendas retornem. A compra de um pacote é decidida com antecedência"

EDSON RUY

Diretor da Abav Nacional

"Com essa violência, não há como prever os efeitos no movimento. Queimaram um ônibus com passageiros dentro"

ALFREDO LOPES

Presidente da ABIH-Rio

"Em 39 anos no turismo, nunca vi crise semelhante. Vamos buscar promoções nos hotéis para recuperar as vendas. E rezar"

ROBERTO BESSI

Presidente da Bessitur

Inclui quadro: "Os efeitos da crise"