Título: O ano em que a economia brasileira não decolou
Autor: Louven, Marisa
Fonte: O Globo, 31/12/2006, Economia, p. 31

Ano eleitoral, crise política, queda do ministro da Fazenda: 2006 teve todos os ingredientes para sacudir a economia. Mas, surpreendentemente, o país se manteve estável. Estável até demais - a economia não decolou e o Brasil fechou o ano com um crescimento medíocre. Também não decolaram centenas de passageiros de diferentes companhias aéreas. Depois de anos de agonia, a Varig foi finalmente à venda. A tragédia da queda do avião da Gol expôs as mazelas do controle de vôos no Brasil. Num ano negro para a aviação civil brasileira, a TAM completou a confusão com cancelamentos de vôos, deixando os saguões dos aeroportos de todo o Brasil quase tão cheios quanto as ruas do Saara às vésperas do Natal.

O apagão aéreo foi a face mais visível dos gargalos em infra-estrutura que emperram o crescimento. No ano em que comemorou a auto-suficiência de petróleo, o Brasil ainda convive com o risco de outro racionamento de energia no futuro. Exatos dez dias após a festa de inauguração da plataforma P-50, da auto-suficiência, o presidente Lula enfrentou a maior crise diplomática de seu governo com a nacionalização das reservas de hidrocarbonetos feita pelo "companheiro" Evo Morales.

No fim do ano, ao solicitar seu ingresso no Mercosul, a Bolívia voltou atrás e admitiu indenizar a Petrobras. O Mercosul ganhou outro sócio polêmico em 2006, a Venezuela do reeleito Hugo Chávez. As exportações do Brasil bateram novo recorde: mais de US$45 bilhões. Mas as negociações comerciais desandaram no mundo - a Rodada de Doha da OMC está parada - e o dólar baixo afetou a competitividade das empresas nacionais.

A queda do dólar veio acompanhada de risco-Brasil em mínimas históricas e de ações em alta na Bolsa. O câmbio favorável derrubou a inflação e, principalmente, os preços dos alimentos, que terminam 2006 em queda pela primeira vez nesta década. Os brasileiros nunca comeram tanto frango (além do dólar, a gripe aviária, que causou prejuízos estimados em centenas de bilhões de dólares à economia mundial, derrubou os preços). E também nunca compraram tanto computador. Com a renda do trabalhador em alta, a construção civil se recuperou depois de anos de ostracismo e é promessa para 2007.

O consumo das famílias teve o melhor desempenho desde o início do Plano Real. Mas a economia cresceu menos de 3%, numa média anual que se repete há duas décadas. A reeleição do presidente Lula fez o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, decretar o "fim da era Palocci", num aceno com políticas econômicas desenvolvimentistas para o segundo mandato. Mas o próprio Lula desautorizou a declaração e o tão esperado pacote de incentivos fiscais do governo será encolhido para acomodar um reajuste maior do salário mínimo.

Palocci, que por três anos foi a cara da política econômica de Lula, saiu do governo chamuscado pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo. A passagem de bastão para Guido Mantega, então presidente do BNDES, não afetou mercados nem preocupou empresários. Tampouco mudou os rumos na gestão da economia.

Se o crescimento de 5% ficou adiado para um futuro incerto, as empresas brasileiras mostraram vigor renovado. E foram às compras, aqui e no exterior. A Vale do Rio Doce adquiriu a canadense Inco por US$17,8 bilhões e se tornou a maior mineradora do mundo. A CSN ofereceu US$9,6 bilhões pela anglo-holandesa Corus. E as duas gigantes do varejo on-line, Americanas.com e Submarino, se fundiram na B2W.

Saíram de cena em 2006 dois nomes que moldaram, cada um a sua maneira, o pensamento econômico do século XX. O papa do neoliberalismo Milton Friedman morreu aos 94 anos em novembro. John Kenneth Galbraith, um crítico dos excessos do capitalismo, faleceu aos 97 anos, em abril. Deixaram o legado do esforço intelectual por uma economia mais pujante. Que 2007 traga, para o mundo e para o Brasil, céu de brigadeiro no horizonte econômico.

LUCIANA RODRIGUES é repórter especial