Título: Tem que combater o bandido dentro da polícia
Autor: Carvalho, Jaílton de
Fonte: O Globo, 01/01/2007, O País, p. 11

De saída, diretor-geral da PF dá recado a governadores e lamenta investigações que ficaram pelo caminho

Num recado aos novos governadores, o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, afirma que eles só terão êxito na redução da violência se atacarem a corrupção nas polícias: ¿A polícia só será eficiente se combater o bandido dentro da polícia¿.

O delegado, que deixa o comando da PF este mês, é considerado um divisor de águas na instituição. De 2003 até agora, a PF fez mais de 250 operações e quebrou o tabu de que criminosos de colarinho branco não eram presos. Mas reclama das dificuldades para manter acusados na cadeia e lamenta que a PF não tenha tido sucesso em investigações como a do mensalão e das fraudes nos Correios.

Por que o senhor não continuará no comando da PF?

PAULO LACERDA: Devo sair agora em janeiro. Quatro anos na direção da PF é tempo suficiente. Saio por minha vontade, depois de um período altamente positivo para mim e a PF. Não tem motivo contrário, é um processo normal. Trabalhei 30 anos na polícia, e o máximo que fiquei em cargos de chefia foram quatro anos. Tem de haver renovação. O próximo diretor da PF deve manter o que está dando certo. Vai vir com sua experiência. Resta saber quem vai ser.

A PF continuará com as grandes operações?

LACERDA: Setores da sociedade reclamaram. A gente vê como positivo. A democracia produz questionamentos. Algumas queixas são procedentes. Estamos procurando aperfeiçoar o trabalho. Não era comum esse tipo de prisão em massa, notadamente de segmentos abastados. Hoje, o balanço é que a sociedade tem aprovado o trabalho da PF. Que não é só da PF, mas de órgãos que têm trabalhado de forma integrada, como o Judiciário e o Ministério Público.

Então a PF vai continuar fazendo grandes operações?

LACERDA: Sem dúvida. É uma conquista, um trabalho que precisa ser aperfeiçoado, evitando aspectos que estejam gerando reclamações e inquietudes.

Qual foi a operação mais importante?

LACERDA: Em todas as áreas tivemos melhora na investigação criminal: colarinho branco, crimes financeiros, contra o sistema tributário, lavagem de dinheiro, contrabando. Passamos a atuar contra roubo de carga, assalto a banco. Procurando fazer o que tem que ser feito na polícia que serve à sociedade, que não usa as mesmas armas dos bandidos. Procurando não usar a violência. Só usa a violência em última instância e em legítima defesa. A investigação recente mais importante que fizemos foi a Facção Toupeira. Ela se inicia com uma investigação num roubo do BC de Fortaleza, pega uma coisa aqui, outra lá e se depara com uma organização fortíssima, violenta, que fazia caixa para o crime organizado.

O senhor manifestou desagrado com a apuração do caso Waldomiro Diniz. Por quê?

LACERDA: As investigações bem-sucedidas da PF têm um ponto comum: sigilo, médio prazo e desfecho que gera impacto e uma surpresa. No caso Waldomiro, dos Correios, CPI do Mensalão, casos que se tornaram rumorosos e que a cobrança vem forte sobre a polícia, os resultados poderiam ter sido diferentes se não tivessem saído através da mídia. A mídia tem papel importante. Quando se depara com um fato delituoso ou político, divulga. É o papel dela. Não temos que reclamar. Agora se torna mais difícil. Você imagina o caso Waldomiro. Se, em vez de a revista ¿Época¿ ter dado divulgação, alguém trouxesse para a PF a informação e, em sigilo, ficássemos investigando, talvez ¿ não podemos fazer futurologia ¿ o resultado fosse outro.

O senhor disse que o combate à corrupção e à violência deveria começar nas polícias. As secretarias de Segurança fizeram esse trabalho?

LACERDA: Uma parcela da responsabilidade da criminalidade no Brasil está no meio da polícia. Uma banda podre que existe em todas as polícias. A PF fez um trabalho forte, tem uma corregedoria forte. Não nos sentimos constrangidos em prender o mau policial federal. Queremos tirá-lo do nosso meio.

O problema também é grave nas polícias estaduais...

LACERDA: É muito grave nas polícias estaduais. As polícias estaduais têm corregedorias. A PF tem uma experiência antiga nisso. A polícia só será eficiente se combater o bandido dentro da polícia. Se não for feito, não tem polícia que vá vencer a criminalidade de fora. Todas as polícias estão botando gente na rua, fazendo investigações. Mas isso precisa ser a prioridade um. Expurgando esses elementos, o policial honesto vai se sentir com total apoio para combater o criminoso lá de fora.

Investigações de parlamentares e integrantes do governo afetam a relação com a PF?

LACERDA: Não. O presidente Lula deu uma mensagem valorizando a PF, apontando como ponto expressivo do governo a ação da PF no combate à corrupção. Se o primeiro mandatário diz, outros escalões vão seguir alinhados com esse entendimento. No início tivemos reações de setores investigados. Hoje esses órgãos não nos vêem como adversários.

A referência é à Abin?

LACERDA: Não. Nós prendemos muitos servidores do Ibama. Hoje é um órgão que faz investigações conosco.