Título: Rio tem 3,1 milhões abaixo da linha de pobreza
Autor: Schmidt, Selma
Fonte: O Globo, 01/01/2007, Rio, p. 22

Pesquisa da Fundação Cide mostra que 20,2% da população do estado vive com rendimento mensal de até R$169

Com uma aposentadoria de menos de R$700, José Francisco da Silva, de 73 anos, sustenta seis pessoas da família, que moram com ele na Favela dos Guararapes, no Cosme Velho. Já Aline Marcela Monteiro Barros, de 24 anos, não tem qualquer renda, vive numa casa emprestada no Vidigal e depende totalmente de ajuda para se manter e criar os filhos de 1, 3, 4 e 6 anos.

Um quinto dos habitantes do Estado do Rio sobrevive como as famílias de José Francisco e Aline: 20,2% da população, ou 3,1 milhões de pessoas, ganham até R$169 mensais e estão abaixo da linha de pobreza, segundo estudo feito pela Fundação Centro de Informações e Dados do Estado do Rio (Cide), a partir de dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/2005), do IBGE.

Número é menor do que em 93, mas ainda está alto

No ranking nacional, o Estado do Rio está mal: tem um percentual de pobres superior ao de oito unidades da federação. Fica atrás de Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Distrito Federal, Goiás, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.

¿ O Estado do Rio tem menos pobres hoje do que tinha em 1993 (naquele ano, eles correspondiam a 33,5% da população ou a 4,4 milhões de pessoas). Com o Plano Real, o percentual de pobres diminuiu, mas se estabilizou num patamar alto. O Rio ainda tem um dever de casa para fazer e conseguir se aproximar de Minas Gerais e São Paulo ¿ explica o presidente da Cide, Ranulfo Vidigal.

Mais do que abaixo da linha de pobreza, a carioca Aline está entre os 5,8% moradores do estado (890 mil pessoas) que se encontram em situação de indigência. Ou seja, têm renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo (hoje R$87,50), que não permite comprar sequer uma cesta básica. A alimentação da família de Aline depende das cestas básicas que recebe da Associação de Moradores do Vidigal.

Separada do marido, que vive na Rocinha e não a ajuda, Aline só não mora na rua porque a Associação de Moradores do Vidigal conseguiu uma casa emprestada para ela ficar até o fim de janeiro. As três crianças mais velhas (Wesley, Thaissa e Washington) ficam de segunda a sexta-feira numa escola interna, só indo para casa nos fins de semana e nas férias. Para o caçula Wendell, ela ainda não conseguiu vaga numa creche.

¿ Tenho que colocar o Wendell numa creche para poder trabalhar. Trabalho em qualquer coisa ¿ diz Aline. ¿ Mas sou otimista. Dias melhores virão.

`Se pudesse, iria embora do Rio e até do país¿

De acordo com a Cide, desde 2001, o percentual de indigentes na Região Metropolitana tem sido superior ao do estado: em 2005, foi de 6,1%.

¿ Isso se explica porque a renda domiciliar per capita caiu na Região Metropolitana e cresceu no interior, em dez anos. O processo de industrialização foi acelerado no interior ¿ observa Vidigal.

Mesmo com o impacto do interior, a renda média salarial diminuiu 3,3% no estado de 1996 a 2005, passando de R$720 para R$695 (valores reais, atualizados para setembro de 2005). Na Região Metropolitana, a renda média caiu 7,69% no mesmo período, passando de R$806 para R$744.

Desempregado há pelo menos seis anos, o trabalhador da construção civil Elias Antônio da Silva Filho, de 45 anos, é um dos parentes de José Francisco que dependem da aposentadoria do tio para sobreviver. Elias conta nos dedos os biscates que conseguiu fazer nos últimos anos.

¿ Nestes anos tenho sido mais babá dos meus sobrinhos-netos (Jonathan e Cleiton, de 9 e 5 anos) do que feito algum biscate ¿ conta Elias.

Em dias de temporal, na casa de estuque onde Elias vive, coberta por placas de alumínio, só não chove na cozinha. E os poucos móveis e eletrodomésticos existentes foram comprados pelo aposentado José Francisco ou doados. Com Elias, vivem ainda a irmã Edite e duas sobrinhas ¿ a estudante Viviane, de 18 anos, e Hilda, de 28. Edite está desempregada; Hilda acaba de conseguir um trabalho numa lavanderia (o salário é o mínimo) e deverá começar a ajudar nas despesas.

¿ Só Deus sabe como será nosso Natal. Mas temos saúde, o que é o principal. Do jeito que está nosso país, não tenho esperança de que a situação vá melhorar. Se pudesse, iria embora do Rio e até do país ¿ desabafa Elias.

Pelos cálculos da Cide, seriam necessários R$218 milhões por mês para erradicar a pobreza no estado:

¿ Esse é o valor de que a sociedade precisaria dispor sob a forma de crédito e de emprego ¿ afirma Vidigal.

Na avaliação do presidente da Cide, para reduzir a indigência, os programas sociais (como o Bolsa Família e o Cheque Cidadão) são fundamentais. No entanto, a diminuição da pobreza como um todo, acrescenta Vidigal, passa ainda pelo aumento real do salário mínimo, pela oferta de emprego formal para a classe pobre e pelo acesso à escolaridade e a creches.