Título: Dois Estilos
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 03/01/2007, O País, p. 4

Serra, mais objetivamente oposicionista, Aécio com um discurso marcado pela prudência, mas sem deixar de marcar também uma posição independente. Serra deu um tom mais nacional a seu discurso de posse, jogando o peso de São Paulo na disputa. Aécio falou mais aos mineiros, colocando-se na disputa presidencial através de suas realizações, mas sobretudo pela importância histórica de seu estado.

Os dois deram estocadas no governo federal, com linguagens diferentes. Sobre ética na política, o governador José Serra foi direto: "Outro mote fatalista e acomodador, até reacionário, é aquele que considera a desonestidade inerente à vida pública, ao garantir que o poder necessariamente corrompe os homens. Não é assim: são alguns homens que corrompem o poder; outros, pelo contrário, combatem a corrupção no poder."

Já o governador Aécio Neves preferiu se utilizar da filosofia e da história de Minas para atingir os mesmos objetivos: "Tenho para mim que nenhuma definição do que seja a Política é melhor do que a de Aristóteles. (?) A Política é a mediação do equilíbrio entre iguais, o que a faz inseparável da Ética. Em seu incontestável raciocínio, a Política terá que ser Ética, ou não será Política; e a Ética necessita da administração política da sociedade, para que seu exercício encontre o apoio nas leis do Estado".

O governador José Serra não teve receios de colocar claramente sua posição sobre o papel do governo, que lhe traz muitas críticas, a maioria das vezes por desconhecimento do que realmente pensa: "Defendo o ativismo governamental. O poderoso Estado Nacional Desenvolvimentista do passado - produtor, regulador de toda a atividade econômica, patrono de todos os benefícios sociais - não tem mais lugar no presente, mas isso não significa que deva ser substituído pelo Estado da pasmaceira, avesso à produção, estagnacionista."

Na definição de Serra, "entre a estagnação e a estabilidade, o país parece ter preferido as duas. Em nome desta produz-se aquela; em nome da virtude, acabamos escolhendo o vício. (?) Um país que não cresce acaba não distribuindo renda, mas equalizando a pobreza. A economia da pobreza não pode ter como base a pobreza da economia. A falta de desenvolvimento pune os mais necessitados; torna-os clientela cativa do assistencialismo".

O governador José Serra, sobre a relação com o governo federal, foi objetivo: "Como é evidente, à oposição cabe... se opor. Não a tudo e a todos, mas ao que, a seu juízo, atente contra o espírito das leis, contra os fundamentos do Estado e contra o interesse público. (?) Não fomos, não somos nem seremos adeptos do quanto pior melhor. Seremos oposição no plano federal justamente porque não somos iguais. Em suma: não esperem de mim o adesismo que não se respeita nem a agressão que não oferece respeito".

O governador Aécio Neves mais uma vez utilizou-se da História para declarar sua independência política: "O sal de nosso batismo, como povo, teve o sabor da liberdade. Não fomos educados para a dócil aceitação do despotismo, mas, sim, instruídos, pelas vicissitudes, a encontrar a paz no diálogo entre iguais. Por isso, sempre nos rebelamos contra a opressão da Metrópole, e a ela nunca nos curvamos".

Falou também sobre sua ação para reduzir a desigualdade em Minas, entrando na seara teoricamente dominada por Lula: "Diminuir a distância entre o governo e a população, através de um aumento significativo dos investimentos nas áreas essenciais: educação, saúde e segurança. Diminuir a distância entre as diversas regiões de Minas, estimulando o desenvolvimento de um Estado mais solidário. Diminuir as diferenças entre as pessoas, criando e democratizando as oportunidades. O PIB de Minas, em 2005, foi 4,7%, o dobro do obtido pelo Brasil. E alcançamos resultados emblemáticos no campo social".

Aécio destacou também um de seus feitos, fazendo uma crítica indireta ao aumento de gastos do governo federal: "Com o "Choque de Gestão", foi possível reduzir as despesas com a máquina pública e dar prioridade à recuperação da nossa capacidade de investimentos. Gastar menos com o governo para gastar mais com a população foi o nosso lema".

E, assumindo a defesa de estados e municípios, Aécio Neves deu o tom nacional ao seu discurso: "Não haverá crescimento verdadeiro; não haverá desenvolvimento consolidado; não haverá democracia plena enquanto não refundarmos a federação e os princípios norteadores da República brasileira".

Serra respondeu às críticas sobre o domínio paulista na política: "São Paulo acolhe, não discrimina. São Paulo é o maior estado nordestino depois do Nordeste; São Paulo tem o maior número de sulistas depois do Sul; de nortistas depois do Norte; de mineiros depois de Minas; de brasileiros do vasto Brasil central depois do Centro-Oeste. A verdadeira identidade de São Paulo é a fraternidade brasileira".

São dois estilos distintos de fazer política, dois estilos distintos de fazer oposição, até mesmo na retórica. Serra, apesar de mais velho, tem uma linguagem mais direta e objetiva. Aécio, talvez por ser muito jovem, imprime a seu discurso um tom mais solene. O estilo assertivo de Serra, que teve mais repercussão política, levará a que Aécio seja mais arrojado. A prudência de Aécio fará com que Serra seja mais cauteloso. dois estilos que estarão disputando o mesmo espaço até 2010. Bom para o país.