Título: Pecados Capitais
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Fonte: O Globo, 03/01/2007, Opinião, p. 6

O pronunciamento de Luiz Inácio Lula da Silva, na inauguração do seu segundo mandato, já não atraía a expectativa daquele feito há quatro anos, quando pela primeira vez o ex-líder sindical, oposicionista combativo, aliado a partidos de esquerda históricos, chegava ao poder. Desta vez, sequer a multidão de 2003 se repetiu.

Lula, porém, assumiu por mais um mandato já com o compromisso de "destravar" a economia, tendo, inclusive, adiado, em dezembro, o anúncio de um conjunto de medidas com essa finalidade.

No discurso de anteontem, o pacote ganhou ares de um plano de longo alcance e o carimbo de uma sigla: PAC, Programa de Aceleração de Crescimento. Pode ter sido para o bem ou para o mal. O cemitério das boas intenções em matéria de política econômica está repleto de siglas semelhantes. Mas o presidente merece o benefício da dúvida, e o país continua a aguardar o que será anunciado para romper o longo ciclo de crescimento medíocre da economia brasileira.

Um dos compromissos assumidos por Lula foi com a responsabilidade fiscal. Ele é sempre bem-vindo, por se referir à manutenção da estabilidade, sem a qual nada de positivo pode ser feito. Ao mesmo tempo, o presidente lançou os verbos que conjugará até 2010: acelerar, crescer e incluir. Afinal, "o Brasil não pode continuar uma fera presa numa rede de aço invisível, debatendo-se, exaurindo-se, sem enxergar a teia que o aprisiona".

Um reparo a fazer à imagem presidencial é que as amarras do país são, ao contrário, bem visíveis: uma carga tributária escorchante, de quase 40% do PIB, por causa de gastos públicos correntes em expansão constante. Lula pregou, ainda, "ousadia, coragem e criatividade para abrir novos caminhos". A dúvida é: como ousar corajosamente e de forma criativa sem ferir a responsabilidade fiscal, se o próprio governo se recusa a tratar do principal foco de desequilíbrio estrutural das contas públicas, a Previdência? Isso para não se levantar a questão do risco fiscal existente na proposta de se indexar a folha de pagamento dos servidores federais e o próprio salário mínimo.

O segundo mandato de Lula ajuda a consolidar a democracia no país. A bandeira da aceleração do crescimento é consensual. Mas todo cuidado é necessário para se manter distantes de Brasília o voluntarismo e o salvacionismo, dois pecados capitais em qualquer regime democrático.