Título: 'Sistema de inteligência não funciona'
Autor: Barbosa, Adauri Antunes
Fonte: O Globo, 03/01/2007, O País, p. 11

Um dia depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conclamar governadores para uma mobilização pela segurança, um representante dos especialistas em inteligência da área federal criticou a falta de integração entre os diferentes serviços estaduais e da União. Para o presidente da associação dos servidores da Agência Brasileira de inteligência (Abin), Nery Kluwe, o sistema brasileiro de inteligência não funciona.

"Falta sinergia e conectividade entre os órgãos"

A onda de ataques a ônibus e delegacias, que provocou 18 mortes na semana passada, no Rio, foi usada por ele para exemplificar a falta de sinergia entre os órgãos de inteligência das polícias civis e militares, da Polícia Federal e da própria Abin. Na opinião de Kluwe, esses órgãos não interagem e, por isso, o sistema não funciona. No Rio, diz, repetiu-se o que aconteceu no ano passado em São Paulo.

- A missão da inteligência é antecipar os problemas. Havia indícios e dados que davam a entender que haveria uma ação daquele tipo (no Rio), e o estado, por falta de conexão entre os órgãos de inteligência, ficou à mercê dos fatos. O sistema brasileiro de inteligência não existe, e a Abin não tem sido o órgão central do sistema. Nos Estados Unidos, todos os sistemas de inteligência estão subordinados a um assessor especial da Presidência - diz Kluwe.

- As comunidades já tinham ouvido falar e tinham informações de que haveria uma ação desta natureza, mas a informação não foi tratada. O papel da inteligência é antecipar. A repressão é outra coisa. Falta sinergia e conectividade entre os órgãos. A Abin tem de fazer a leitura do discurso do presidente, de ontem (segunda-feira), e se preparar para se conectar com os órgãos de segurança do estado.

Responsável por defender os interesses dos analistas de informação da agência, Kluwe explica que desde novembro uma equipe de cinco agentes desse setor da Abin atua no Rio. Mas criticou a orientação da direção do órgão para que os analistas não usem a carteira funcional nem as armas individuais. Analista de informações por formação, Kluwe defende maior integração, sob o comando de um organismo federal, dos serviços de inteligência que atuam no Rio.

- O problema no Rio é possível de resolver. Vivemos uma situação similar à da Chicago dos anos 50, quando se teve de deslocar um grupo federal para reagir. As favelas não fabricam armamento e não fabricam cocaína. É necessário identificar os líderes e coibir. Em paralelo com isso, fazendo um trabalho social de redução da desigualdade e de dar alternativas - disse.

Ele afirma, entretanto, que é necessário dar uma resposta aos atos de violência:

- Nenhuma sociedade pode ficar à mercê de grupos armados que vão fazer ações para criar o medo. O poder do Estado tem de se sobrepor a isso. Mas tem de ser um trabalho de inteligência, e que tem de ser feito sem esse espalhafato que vem sendo adotado. É um desafio para os órgãos envolvidos.

Preocupação com a segurança do Pan

Kluwe se mostrou preocupado com a segurança dos Jogos Pan-Americanos:

- O coordenador de segurança da área tradicionalmente é o comandante da força armada terrestre, no caso o Exército. Mas a segurança, neste caso, ficou a cargo da Secretaria Nacional de Segurança Pública da Abin, e o Exército não teve a participação que tem de ter. Este é um fator de grande preocupação, inclusive entre os militares, porque estão sendo tratados como meros executores.