Título: FMI aperta o (próprio) cinto
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 03/01/2007, Economia, p. 19

Os 2.693 funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI) já sabiam que a situação não era das melhores. Rumores de demissões e de redução salarial já tinham começado a circular. Afinal, a falta de crises financeiras, nos últimos dois anos, somada à melhoria da situação econômica de vários países - que chegaram inclusive a antecipar o pagamento de sua dívida com o Fundo - reduzira a fonte de rendas da instituição. O FMI mantém as suas operações com o dinheiro arrecadado com os juros que cobra sobre os empréstimos.

Mas ao chegar à sede do Fundo com as suas famílias, para a tradicional festa de fim de ano dias atrás, os funcionários tiveram uma clara evidência de que uma crise está prestes a estourar ali dentro, se a direção da casa não encontrar, em breve, novas maneiras de ganhar dinheiro.

Houve espanto e decepção. Não era a tão aguardada festança anual, com abundância de comidas e bebidas servidas em vários salões - animados por orquestras e conjuntos musicais. A de 2006 não teve lagostas, camarões, caviar e nem champanhe importados como as anteriores. Foi na base do amendoim, azeitona e espetinhos - como contaram ao GLOBO alguns frustrados freqüentadores.

- Ficamos decepcionados porque sequer fomos avisados sobre isso. Todo mundo pensou que ia ser como sempre - reclamou um dos presentes.

A maioria se arrependeu:

-- Se soubesse, teria comido antes de ir para a festa ou nem teria ido. O jeito foi correr para a rua para conseguir pegar um restaurante aberto - contou outro funcionário.

Às vésperas da virada de ano - em 28 de dezembro - o FMI recebera uma notícia que abala ainda mais suas finanças. O governo de Filipinas anunciou que estava quitando naquele dia - de forma antecipada - sua dívida com o Fundo: US$219,9 milhões.

Empréstimos ainda somam US$19,5 bi

Embora o volume fosse pequeno, era mais um país a fazer quitação antecipada, como muitos - nove ao todo, inclusive o Brasil e a Argentina - entre 2005 e 2006. Sem crises financeiras, nesse período eles devolveram ao Fundo nada menos do que US$41 bilhões. Com isso, a instituição hoje tem US$317 bilhões em caixa, além do equivalente a US$ 61,9 bilhões em ouro, sem ter como fazer isso gerar renda. Nada mais do que US$19,5 bilhões estão emprestados a países - rendendo os juros que bancam os custos operacionais da casa.

Por isso, no ano fiscal de 2007, que termina em abril próximo, o FMI deverá ter um déficit operacional de US$88 milhões. A previsão para o ano que vem é pior: déficit de US$211,4 milhões. E em 2009 as despesas vão suplantar os rendimentos em US$306,8 milhões. Em 2006, os números ainda foram positivos em US$166,8 milhões.

Diante desse quadro, o diretor-gerente do Fundo, Rodrigo de Rato, criou uma "Comissão de Pessoas Eminentes" formada por oito profissionais do setor financeiro - entre eles o ex-presidente do banco central dos EUA Alan Greenspan - para estudar formas de financiamento sustentável de longo prazo para os custos do FMI. O grupo, presidido por Andrew Crockett, presidente do JP Morgan Chase International, deverá apresentar o seu informe até março próximo.

Enquanto isso, a diretoria do Fundo está realizando o que De Rato definiu como "exercício de administração de riscos". Essa prática significa adotar medidas urgentes, como, por exemplo, o corte de gastos. "De acordo com os atuais procedimentos, o Fundo é excessivamente dependente do dinheiro emprestado aos países para garantir a sua própria renda", diz um documento interno que, mais adiante, registra que o volume desse capital hoje está no seu índice mais baixo dos últimos 25 anos.

Pode haver corte de mordomias

Outro documento a respeito desse início de crise financeira do próprio Fundo diz que os tempos mudaram e que a entidade deve buscar formas de se adaptar: "Uma mudança no enfoque do trabalho do Fundo, que era a de solução de crises e passou a ser de prevenção, demandaria uma mudança semelhante na geração de renda por meio da diversificação das fontes de renda".

- A atual forma de financiar as operações do Fundo não é saudável - reconheceu De Rato recentemente.

Os funcionários, habituados a bons salários e generosas mordomias, estão apreensivos. Afinal, entre as opções consideradas pela direção está a redução da remuneração e, muito provavelmente, um corte em benefícios, como por exemplo o custeio do estudo de seus filhos. O FMI paga a educação dos filhos dos funcionários até que eles atinjam 24 anos de idade: os beneficiários têm a liberdade de escolher qualquer universidade, em qualquer parte do mundo (menos nos EUA), para estudar por conta do Fundo.

Está sendo estruturada uma "conta de investimentos", com aplicação de dinheiro na praça para reforçar a carteira de custos operacionais. A venda de parte das reservas de ouro é outra alternativa sob análise: o dinheiro arrecadado também seria investido.

Os países que habitualmente necessitam da ajuda do FMI também serão afetados pela situação. A perspectiva é a de que o Fundo passe a cobrar taxas por serviços que hoje são prestados gratuitamente - ou melhor, em troca da cota de participação que cada um dos 184 países mantém nos cofres daquela casa.