Título: Ano-bom
Autor: Leitão, Mírian
Fonte: O Globo, 03/01/2007, Economia, p. 20

No meio do ano passado, a aposta, entre alguns economistas internacionais, era que 2007 começaria com a economia dos Estados Unidos em plena recessão. Não foi o que houve. A economia americana ainda está crescendo, o mundo vai continuar mantendo as compras de produtos brasileiros em alta. A janela de oportunidade continua aberta. A gente é que não quer olhar por ela.

As reservas cambiais vão continuar aumentando; em parte, pelo crescimento mundial; em parte, pela competência exportadora brasileira, que supera buraco na estrada e engarrafamento no porto. Segundo o Credit Suisse, em 2007, as reservas chegarão a US$110 bilhões; em 2008, a US$130 bilhões. Em 2002, o Brasil só tinha US$16 bilhões.

Mas quem se importa hoje com esse indicador? Só mesmo o mercado financeiro. O tempo em que reservas eram acompanhadas com aflição pelos jornalistas de economia ficou para trás. Hoje a preocupação é com o principal: crescimento e emprego.

O crescimento não vai acelerar só porque haverá um pacote com o nome de PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), nem porque o presidente pretende conjugar esse verbo com mais freqüência.

O país pode ter um crescimento maior que em 2006, em parte, pelos juros mais baixos tanto da Selic, quanto do BNDES - a TJLP está abaixo de 7%. Isso ajuda, sem dúvida. A nova lei da micro e pequena empresa pode ajudar também, quando estiver mesmo em vigor. Vai incentivar as pessoas criativas e corajosas a entrarem no perigoso mundo dos negócios brasileiro. São as pequenas que criam mais emprego, como se sabe. Mesmo assim, o desemprego continuará alto. Infelizmente. É preciso um crescimento muito maior para a redução do desemprego.

A economia está dando alguma força ao cenário de "Ano-Bom", mas é da natureza da economia ser econômica. Dá algumas chances; o país tem é que aproveitá-las. Mas o Brasil é danado para perder chance. É uma espécie de compulsão nacional.

Veja-se o caso do presidente Lula. No final de 2005, estava com popularidade líquida negativa; deu uma extraordinária volta por cima no ano passado, evitando até tropeçar nos aloprados. Reeleito, toma posse e o que faz? Adia o governo. Não tem nem como fazer aquela tradicional foto de todo mundo junto no Planalto, por falta de gente para sair na foto.

Nada contra a pessoa do ministro que está terminando seu período, ou está perdendo a cabeça, ou está lá segurando o lugar enquanto o novo não vem. Mas, quando está nesta situação provisória, o ministro ou a ministra não faz plano, não ousa, não toma medidas de longo prazo. A máquina pára. Os funcionários guardam suas melhores idéias para o próximo chefe e gastam seu tempo armando para se dar bem no próximo arranjo do poder burocrático. É bom lembrar que o governo Lula tem vários ministros interinos há meses.

Na hora da lua-de-mel, o presidente Lula mantém a equipe velha, guarda o pacote na gaveta, vai sair de férias e já avisa novos adiamentos: vai esperar a eleição na Câmara e no Senado para, só então, lá depois do carnaval, instalar seu novo time. Não se perde lua-de-mel. Não se queima esse cartucho.

Há uma série de mudanças necessárias para garantir o crescimento sustentado, mas nada está garantido. O presidente já nos ensinou que, quando fala de reformas prioritárias, pode estar querendo dizer tudo; inclusive nada.

O economista Alexandre Marinis lembrou que, em 2003, o presidente, no seu discurso, falou em fazer as reformas da previdência, tributária, política e trabalhista; além da agrária. Disse que essas reformas impulsionariam um "novo ciclo de desenvolvimento nacional".

- Como sabemos, a reforma previdenciária de 2003 sequer foi regulamentada, e a reforma tributária do primeiro mandato serviu, essencialmente, para prorrogar a CPMF e a DRU e elevar a Cofins. Já a reforma trabalhista sumiu do discurso de posse de 2007. A reforma tributária só foi incluída novamente neste discurso porque o governo terá, necessariamente, de prorrogar a CPMF e a DRU até dezembro - diz Marinis.

Apesar disso, o país conseguiu cumprir todas as metas fiscais e, de novo, vai cumprir a meta do ano. Isso não tranqüiliza. O economista Fábio Giambiagi diz que se repetiu em 2006 o mesmo padrão dos anos anteriores: houve um aumento das despesas e das receitas e, por isso, não houve queda do superávit.

- De janeiro a novembro de 2006 comparado com 2005, o aumento da receita foi de um ponto percentual do PIB. Esse padrão não é sustentável - afirma Giambiagi.

Agora era a melhor hora de se preparar o segundo governo, com equipes renovadas e esperanças, idem. Mas isso vai ficar para depois, que ninguém é de ferro.

O presidente tem pressa, e sai de férias; quer fazer reformas, e não apresenta seus projetos; toma posse, e não escolhe os novos ministros; quer acelerar o crescimento, mas guarda o pacote de aceleração do crescimento para depois.

Para não parecer pessimista, vou mostrar de novo a lista do ano-bom: menores juros, inflação baixa, maiores reservas, menor risco-país, mundo ainda crescendo, juros ainda caindo, e metas fiscais sendo cumpridas. Houve ano aí que a gente não tinha nem isso.