Título: Mais diálogo, menos radicalismo
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Fonte: O Globo, 03/01/2007, O Mundo, p. 26

Há pouco mais de dois anos no Brasil, o embaixador do Irã Seyed Jafar Hashemi, 52 anos, conhece o Brasil a ponto de elogiar o desempenho na área social do presidente Lula e criticar o crescimento econômico brasileiro. Nesta entrevista ao GLOBO, Hashemi defende com veemência o programa nuclear iraniano, fala sobre as posições de seu país e critica EUA e Israel. Diz que o programa nuclear do Irã não vai parar, mas acena que Teerã prefere o diálogo ao radicalismo, revelando já ter conversado com autoridades brasileiras em busca de apoio.

Acusam o Irã de ter escondido informações e estar desenvolvendo em segredo há 20 anos seu programa nuclear. Esse comportamento não abre espaço para que haja uma certa desconfiança sobre o que o Irã diz, hoje?

SEYED JAFAR HASHEMI: Somos membros do Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Durante dois anos, a cooperação do Irã com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) foi ímpar. Fizeram inspeções e vistorias de mais de duas mil horas por pessoa nas nossas instalações e, nos relatórios da agência, nunca foram enfatizadas falhas ou desvios do programa iraniano.

Mas o Irã não deixou de informar nada à agência?

SEYED: É necessário conhecer o regulamento interno da AIEA. Os regulamentos tratam dos avisos sobre os projetos e prevêem que os países precisam dizer que chegaram a esse ponto. Nossos progressos sempre foram apresentados à AIEA. A questão iraniana é técnica e tem de ser tratada dentro da agência. Por isso, condenamos a resolução da ONU, que não tem base legal.

O Parlamento iraniano recentemente aprovou alterações na cooperação com a AIEA. O Irã caminha para deixar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear?

SEYED: Essas conversas surgiram porque existem interferências de outras entidades em questões técnicas. Nosso Parlamento está pedindo uma revisão de nossas cooperações, mas isso não significa nossa saída do tratado e nem da agência. Vamos revisar as cooperações consoante o futuro de ações contra nós.

E vão continuar permitindo as inspeções?

SEYED: Hoje, continuam as inspeções e vistorias. Para mostrarmos nossa boa vontade, permitimos que eles também visitassem instalações militares. Mas eu pergunto: um país no qual não foi comprovado nenhum deslize tem de ser tratado como uma ameaça à estabilidade mundial? E por que Israel, que tem tudo isso (armas nucleares), confirma que tem e não é membro do tratado não recebe sanções? Enquanto impedem o Irã de ter atividades pacíficas, os EUA têm tratados de cooperação atômica com a Índia, que não está no tratado. E essas afirmações do primeiro-ministro israelense não poderiam trazer uma corrida armamentista ao Oriente Médio? Existe um laço da segurança dos EUA com Israel para controlar o petróleo na região do Oriente Médio.

Diante da resolução do Conselho de Segurança, o que o Irã pretende fazer?

SEYED: A primeira reação é dizer que a resolução não tem base legal porque politizaram uma questão que é técnica. Essas reações não sensatas do Conselho de Segurança podem trazer mais briga para a nossa região.

O Irã pode suspender as atividades para o diálogo?

SEYED: Durante dois anos suspendemos as nossas atividades e o que aconteceu depois disso? Mesmo assim, continuamos a defender o diálogo. Não queremos ter uma reação mais radical. Mas independentemente das pressões dos EUA nessas questões, resistiremos porque acreditamos que esse poderia ser um precedente no tratamento das questões de direitos dos países. Eu pergunto: se os americanos vêm aqui falar que a Amazônia é internacional e que vocês têm de entregá-la, o que o Brasil faria? Assim como vocês, temos direito de desenvolver e ter acesso à tecnologia.

Mas que tipo de medida o Irã pretende adotar?

SEYED: Primeiro, defendemos que somos membros do tratado e temos direito de desenvolver essa tecnologia. Segundo, para amenizar as preocupações mundiais sobre o programa iraniano, repetimos que estamos prontos a aceitar um consórcio mundial, com participação de vários países, no sentido de fazer o enriquecimento no nosso país. Nosso presidente propôs isso nas Nações Unidas. Com este processo, respondemos à preocupação mundial e chegamos àquilo que é o nosso direito. Por que não aceitam?

O senhor acha que o Brasil teria como ajudar de alguma forma nessa negociação?

SEYED: O Brasil, como um país grande, soberano e em desenvolvimento, poderia ajudar mostrando ao mundo que o Irã islâmico está disponível para negociar.

O senhor já conversou com autoridades brasileiras para pedir esse apoio?

SEYED: Em qualquer encontro político, trato dessas questões com autoridades brasileiras e vimos uma reação positiva por parte do Brasil. O Irã paga o preço de defender os direitos de países independentes. Se os EUA conseguirem algo contra o Irã, no futuro, outros países podem ser vítimas desses comportamentos.