Título: Enfrentar o crime
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 04/01/2007, O Globo, p. 2

Anteontem, na reunião de coordenação, Lula reiterou, em conversa com os ministros, sua disposição de somar forças com os estados para um duro enfrentamento do crime no Rio e em outros estados. Chegaram a discutir, inconclusivamente, outras formas de cooperação da União, incluindo a iniciativa de mudanças na legislação - embora a maioria dos juristas ache inócuo mexer na lei penal.

No dia de sua vitória, em 2002, Lula anunciou o Fome Zero como política prioritária. A implementação do programa foi confusa e desastrosa no início, gestores foram trocados, até o nome foi mudado. Por fim, chegou-se ao Bolsa Família, a maior rede de proteção social já implantada no país. Se Lula tiver a mesma persistência em relação ao que anunciou na segunda-feira, ao ser reempossado - a disposição para somar forças com os estados na questão da segurança -, pode resgatar uma dívida do primeiro mandato e colher bons frutos ao fim do segundo.

A parceria com o governador Sérgio Cabral será o embrião desta nova política nacional de segurança, que não se limita à construção de presídios federais ou ao repasse de verbas do Fundo Nacional de Segurança (nas proporções que o rigor fiscal da área econômica permite) para a compra de armas e equipamentos.

Os episódios do fim do ano justificam a escolha do Rio para a experiência, embora ela contenha ingredientes políticos. Tendo perdido força eleitoral no Sudeste, e estando Minas e São Paulo sob o comando de governadores tucanos - ambos, por sinal, aspirantes à Presidência - é natural que Lula queira ampliar sua força a partir das ações federais no Rio. Há, no Rio, a urgência de deter o avanço do crime e um governador disposto à cooperação, ao contrário de seus antecessores. Mas a urgência pede que se passe mais rapidamente da retórica à ação.

A Força Nacional de Segurança, criada no primeiro governo Lula, é um instrumento ainda novo e de natureza difusa, na medida em que é composta por membros da Polícia Federal e da elite das polícias estaduais, recrutados para a ações específicas nos estados. Sua atuação deu bons resultados no Espírito Santo e em Mato Grosso do Sul, quando ali foi empregada a pedido dos governadores. Apesar das limitações, é o instrumento mais concreto de que dispõe o governo federal para colaborar efetivamente com os estados no combate ao crime, que avança ao ponto de executar ações que em quase tudo - exceto pela ausência de objetivo ideologicamente definido - igualam-se ao terrorismo. As motivações do tráfico não são ideológicas, mas não deixam de ser políticas, na medida em que estão disputando com o estado o controle de áreas geográficas, como os morros e favelas, e a garantia da liberdade de ir e vir à população. O outro recurso seria o emprego das Forças Armadas, com seus conhecidos inconvenientes.

O governador Sérgio Cabral montou uma equipe, na área de segurança, cujo perfil indica a disposição para o enfrentamento, não para a contemporização com o crime. A escolha do delegado federal Beltrame como secretário de Segurança indica a prioridade que dará ao uso dos recursos de inteligência para otimizar as ações repressivas. O delegado que chefiará a Polícia Civil é tido como de "linha dura", assim como o comandante da PM, originário do Estado Maior. Há quem aponte a dificuldade de entrosamento entre as polícias estaduais e a heterogênea FNS. O corporativismo é forte nas instituições policiais, e é inegável a corrupção na polícia do Rio. Não será fácil. Tudo dependerá muito da vontade dos governantes e do poder de comando dos encarregados deste desafio.