Título: Benefícios da liberdade
Autor: Fonseca, Odemiro
Fonte: O Globo, 04/01/2007, Opinião, p. 7

Aidéia de que a educação nos salvará da pobreza é uma verdade condicionada à liberdade. E a idéia de que cultura condiciona prosperidade parece nos condenar à pobreza eterna.

Educação serve para pouco se as pessoas não forem livres. É só lembrar o que aconteceu nos países comunistas, onde a educação era considerada de qualidade. A educação só produz resultados em sociedades em que as pessoas podem fazer escolhas pessoais e econômicas, dando-lhes a oportunidade de serem criadoras e descobridoras. E a escolha da própria educação por parte das pessoas é central neste processo.

A questão cultural e da educação pode ser olhada a partir da história de muros que a política erigiu entre pessoas. Dois muros separaram pessoas de cultura e educação iguais e as submeteram a instituições políticas e econômicas diferentes. Trinta anos depois, eram sociedades muito diferentes em prosperidade e em liberdades. São os casos das Alemanhas e das Coréias. Muita riqueza e liberdade de um lado do muro. Muita pobreza e escravidão do outro lado.

A história mais intrigante é a do muro que separa os Estados Unidos do México. Saltam o muro os mais pobres e menos educados. Vão atrás de oportunidades e reconhecimento. Os 27 milhões de mexicanos nos EUA já têm renda superior aos 107 milhões no México. Os três muros indicam que as instituições fazem, em qualquer lugar e cultura, uma enorme diferença em prosperidade, liberdades e nas suas imbricações com a educação.

De acordo com o Serviço de Imigração dos EUA, os brasileiros estão em terceiro lugar entre os imigrantes ilegais que cruzam a fronteira México-Estados Unidos e são os de maior crescimento nos últimos anos. Outro companheirismo mexicano-brasileiro está no pífio crescimento, num processo de divergência econômica com países ricos e emergentes.

No México e no Brasil, a melhora no populismo macroeconômico ainda não se institucionalizou. Mas o populismo microeconômico continua intenso. O novo índice do Fraser Institute sobre liberdade econômica mostra que, em segurança jurídica e direitos de propriedade, assim como em regulamentação de crédito, do trabalho e das empresas, as notas dos dois países são similares e sofríveis.

Ambos são vítimas de uma doença séria, diagnosticada por José Pastore como "regulamentite crônica". Não é surpresa que o Índice de Percepção da Corrupção (Transparência Internacional) seja o mesmo para os dois países, um vergonhoso 3.3, e o semanário "The Economist" classifique ambos como democracias bem imperfeitas. Octávio Paz escreveu que nós, latino-americanos, desconfiamos do uso da liberdade. Cada vez que alguém abusa dela, tiramos a liberdade de todos.

Para o Nobel em economia Douglass North, as instituições são as regras do jogo numa sociedade. No Brasil, precisamos mudá-las, mas não é fácil. Mudanças numa democracia se fazem na arena política, onde existem dois grupos de opositores. O primeiro é formado pelas nossas piores lideranças políticas em simbiose com os que se beneficiam da vizinhança com o Estado.

O segundo grupo é formado pela maioria das nossas melhores lideranças, que acreditam sinceramente em ações que destroem as regras que Douglass North identifica como essenciais à prosperidade. Precisamos de que os "mercadores de idéias", jornalistas, professores, empresários e lideranças civis, se convençam dos benefícios da liberdade, pois são eles que criam o ambiente intelectual que nutre eleitores e políticos.