Título: 'A cada dia é um Boeing que se vai'
Autor: Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 06/01/2007, O País, p. 3

A imprudência, alimentada pela impunidade, é a principal causa do número assustador de mortes violentas no trânsito no Brasil. O último dado oficial, do Datasus, é de 2004, quando 70.994 pessoas morreram em conseqüência de acidentes, sendo mais de 35 mil em colisões. Isso representa uma média de 194 pessoas mortas por dia, 40 a mais do que as vítimas do acidente com o Boeing da Gol, no fim de setembro. Somente nas estradas do Rio morreram 1.484 pessoas. Segundo entidades que lutam por um trânsito menos violento, em 2005 e 2006, o número de mortes ultrapassou 60 mil - ou 165 por dia. E pode ser ainda maior.

- As estatísticas só consideram as mortes no trânsito quando a vítima morre no local do acidente. A questão é que quase 70% delas morrem a caminho do hospital ou após chegar nele - diz Diza Gonzaga, que há dez anos comanda a Fundação Vida Urgente, que criou após a morte do filho, Thiago Gonzaga, no Rio Grande do Sul. - A cada dia é um Boeing que se vai no trânsito. Mas os números do trânsito viram estatísticas, são apenas números frios. Por trás das estatísticas, há Thiagos, Fernandas, Rodrigos - diz ela.

A Fundação Vida Urgente tem como principal bandeira mudar o foco das campanhas para reduzir as mortes no trânsito, dando menos ênfase às condições das estradas e mais à mudança no comportamento dos motoristas.

- Sabemos que 90% dos acidentes são resultado da nossa cultura de impunidade. O brasileiro só dirige cautelosamente se tiver um guarda na esquina ou um radar. Essa cultura está matando principalmente os jovens - diz Diza Gonzaga.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil está hoje entre seis países que mais registram mortes no trânsito. Hoje, essa é a principal causa de mortes violentas de jovens de 14 a 26 anos.

Em todo o mundo, os acidentes dividem os rankings das principais causas de mortes com doenças cardíacas - principalmente provocadas pelo fumo -, Aids e malária. A violência no trânsito será o principal tema do próximo fórum mundial organizado pela OMS, em abril deste ano, na Suíça.

Número de multas mostra imprudência

A imprudência e a impunidade podem ser medidas em números: a cada minuto e meio, um motorista é flagrado cometendo uma infração de trânsito fora do estado onde o seu carro está licenciado, segundo dados do Detran. De acordo com o órgão, de 1º de janeiro de 2004 a 1º de novembro de 2006, foram aplicadas 2.309.492 de multas no país. A maioria destes casos se refere a irregularidades cometidas por motoristas em viagem. Somente ano passado e apenas nas estradas federais, mais de seis mil pessoas morreram em acidentes, quase sempre resultado da combinação mortal entre imprudência e estradas em péssimo estado de conservação.

Assim como o número de mortes, o de infrações cometidas pelos motoristas fora de seus estados é certamente maior. Isso porque os dados fazem parte do Registro Nacional de Infrações de trânsito (Renainf), que reúne informações repassadas pelos Detrans de 19 estados e o Distrito Federal, do total de 27. Além disso, muitos desses estados firmaram convênio depois de 2004, quando o cadastro foi criado. Hoje, 90% da frota brasileira de 42 milhões de carros estão integradas ao Renainf. O sistema permite que os motoristas recebam as multas aplicadas em outros estados.