Título: Lula-PT: uma relação delicada
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 07/01/2007, Panorama Político, p. 2

O destaque e o relevo conferidos aos governadores tucanos José Serra e Aécio Neves pelas vitórias eleitorais que tiveram têm levado à ilusória percepção de que a sucessão de 2010 será resultado do embate entre os dois. O presidente Lula não tem hoje um candidato que possa chamar de seu, mas é improvável que, preservada a liderança que tem hoje, deixe de ser um grande eleitor. Se não tiver um candidato do PT, pode buscá-lo em outro partido aliado. Este é o espectro que ronda o PT e ajuda a explicar seu empenho em conquistar a presidência da Câmara. Um velho chavão diz que Lula sempre foi maior que o PT. Eleitoralmente sim, mas até a reeleição o vínculo tinha a força das relações gregárias, baseadas na interdependência. A reeleição de Lula por tão expressiva votação, depois de ter sido seriamente ameaçada pelas estripulias do partido, propiciaram sua emancipação do PT. Agora ele paira acima do partido, ora próximo, ora distante. Dialogando diretamente com a população, ele foi seu próprio articulador e sobretudo o formulador das medidas que lhe renderam mais reconhecimento, sobretudo entre os pobres. Foi ele que bancou o Bolsa Família e a expansão do crédito, bem como a liberalização do gasto em 2006, dentro do limite que possibilitou o cumprimento da meta de superávit primário - apesar das previsões em contrário. No curso de tudo isso, os aloprados ainda fizeram a operação dossiê.

Disso resultou a relação mais distante e descomprometida, como nunca fora antes, entre Lula e um PT que, sentindo o chão lhe faltar, temendo o encolhimento num governo de ampla coalizão e a possibilidade de Lula abraçar uma candidatura não-petista em 2010, tenta desesperadamente preservar algum terreno de poder próprio. Esta é a lógica da candidatura de Arlindo Chinaglia a presidente da Câmara, ilusoriamente percebida, no início, inclusive por Lula, apenas como um jogo de acumulação de forças para favorecer o partido na composição do ministério. Quando podia, Lula não quis ser padrasto com seu partido, impedindo o lançamento da candidatura. Pode ter que fazer isso agora, o que tensionará ainda mais a relação.

É claro que um candidato petista ainda pode despontar daqui até a pré-sucessão. Fala-se na ministra Dilma Rousseff, na ex-prefeita Marta Suplicy e no governador baiano Jaques Wagner. Se Lula fizer um governo bem avaliado - o que dependerá essencialmente do desafio do crescimento - terá influência importante na sucessão. Não dispondo de um petista, poderá lançar mão de nomes de fora, como um Ciro Gomes (PSB) ou de um dos governadores do PMDB que venha a ter sucesso. Sérgio Cabral está começando com muito gás. O que parece ter saído do radar de Lula é a hipótese - que chegou mesmo a ser acalentada - de atrair Aécio Neves para um partido aliado, como o PMDB. A atuação de Aécio na campanha de Geraldo Alckmin reatou seu projeto ao PSDB, mesmo sabendo que terá de enfrentar um concorrente como José Serra, que já mostrou seu ímpeto para a disputa - seja no discurso de posse ou na trombada com o próprio Alckmin ao anunciar suas medidas de saneamento fiscal.

É entre esta disposição tucana para recuperar o poder e este Lula liberto do petismo - coisa que atende pelo nome de lulismo - que o PT tentará fazer sua travessia. Não tem conseguido fazer o que era preciso para dar a volta por cima: livrar-se do pragmatismo que abraçou lá atrás, quando o Campo Majoritária alijou as tendências de esquerda para abrir caminho rumo ao poder. Perdido o limite entre realismo e pragmatismo, setores do partido atravessaram a linha ética. Agora seria tempo de recomposição interna, até mesmo de sacrificar ambições para salvar o projeto. Mas tem se dado o contrário, como se viu no retorno do deputado Berzoini à presidência do partido. A esquerda chiou, a maioria atropelou.

DELFIM NETTO cansou de ver seu nome jogado como peteca nas listas de ministeriáveis de Lula. Agora não vai aceitar cargo algum. Dizem que ele queria mesmo era o Banco Central, mas essa vaga não vai surgir.

MARTA SUPLICY está louca para ser ministra. Mas já recebeu um aviso de Lula: não convidará ninguém que pretenda ser candidato a prefeito em 2008. Isso também está nos planos dela, mas pode ter que escolher entre o anel e a luva.

LULA e uma penca de ministros saíram de férias. Quando ele admitiu interromper o descanso para ir à posse de Daniel Ortega, na Nicarágua, no dia 10, ressalvou que isso dependeria de um acordo com dona Marisa. Pelo visto, o acordo gorou. Sobrou para o ministro Luiz Dulci, que vai representá-lo.

MAIS um sinal de que Ciro Gomes anda meio emburrado com o governo. Técnicos ligados a ele, que trabalhavam no Ministério da Integração Regional, estão batendo asas para o governo de seu irmão Cid no Ceará. Quem está gostando é o velho amigo tucano Tasso Jereissati. Isso vai passar, diz um ministro de Lula, quando for resolvida a pendenga com a Petrobras sobre o fornecimento de gás à siderúrgica do Ceará.