Título: Estado terá bilhete único
Autor: Nunes, Angelina e Rocha, Carla
Fonte: O Globo, 07/01/2007, Rio, p. 15

O anseio é do tamanho da expectativa. Ao receber uma equipe do GLOBO no Palácio Laranjeiras, na quinta-feira passada, o governador Sérgio Cabral disse que pretende "ganhar corações e mentes". Os projetos são muitos. A começar pelo bilhete único que permitirá aos fluminenses pagar apenas uma passagem para viajar de metrô, ônibus, trem, barca e van legal. O sistema vai funcionar como em São Paulo. O estudo já começou a ser feito e deve ser implantado em 2008. Há muito mais. Cabral tem pela frente um desafio na área da segurança e uma de suas primeiras medidas será fazer uma faixa da Glória ao Recreio com um policiamento diferenciado, na alta estação. Cabral quer dar proteção aos turistas que desembarcam no Rio e garantir um pouco de paz aos moradores da Zona Sul, que, segundo ele, "pagam impostos e merecem ser bem tratados". A declaração remete à insinuação da ex-governadora Rosinha Garotinho de que seu sucessor poderia cair na tentação elitista. Nada disso. Disposto a levar vida normal, sem sucumbir totalmente à sisudez do poder, Cabral diz que vai continuar a pedalar no Leblon e a levar os filhos à escola.

Quais são seus projetos para a área de transporte?

SÉRGIO CABRAL: A Linha Um (do metrô) vai até a General Osório. Daqui a um mês, um mês e meio, nós estamos explodindo a primeira pedra. Estamos tratando de fazer funcionar o Cantagalo, porque aquilo foi uma brincadeira, não está funcionando. Ontem eu conversei com o presidente do Metrô, da Opportrans, José Gustavo Costa, e com o secretário de Transportes e eles me deram um prazo de 30 dias para funcionar para valer.

E como vai tratar o problema das vans ilegais, que vem se arrastando nos últimos anos?

CABRAL: Tem que legalizar. A primeira providência é a licitação das vans legais. A segunda, uma operação da polícia do Rio com a prefeitura, porque há um foco muito problemático na Zona Oeste, de vans ilegais. Muito grave. Temos que estabelecer um critério para que o sujeito não seja dono de várias linhas, e a partir daí reprimir a van ilegal. Vamos fazer o bilhete integrado: ônibus, metrô, tudo, modelo de São Paulo. Metrô, trem, ônibus e van legalizada. E barcas.

E o obstáculo à Linha Três do Metrô por causa do Caminho Niemeyer?

CABRAL: Na Linha Três do metrô, nós estamos tentando dar uma solução. Temos uma linha desativada que nós achamos que é possível, no trecho continental, fazer uma integração, recuperando a linha e operando trens de qualidade, entre Niterói e Itaboraí, muito mais barato. E a Opportrans está disposta a assumir esse desafio. Um outro trecho que é uma barbaridade é Saracuruna-Guapimirim, hoje operado pelo estado. É uma vergonha. Tem três mil passageiros/dia, são trens horrorosos, que custaram uma fortuna, R$100 milhões em 2006. Era mais barato dar um carro para cada passageiro. Outra operação que nós vamos resolver muito mais barato diz respeito à Linha Dois. Há uma proposta absolutamente factível, que custa menos de R$100 milhões. Quando você chega no Estácio e tem que fazer o transbordo, isso gera uma dificuldade muito grande, a estação é pequena, um drama. Segundo estudos, cerca de 200 mil pessoas deixam de usar essa linha por conta dessa dificuldade. Eu acho que o metrô seguiu a lógica dos empreiteiros, ele não seguiu a lógica dos operadores de transporte. Eu não tenho nada contra empreiteiro, mas, se eu quero construir uma casa, a lógica tem que ser esta. O projeto é: quando o trem chega em São Cristóvão, eu faço um by-pass para a Central do Brasil, sem passar pelo Estácio. Não muda de trem e entra na Central. Porque 99% da demanda é Central, Carioca, e vai embora. Isso vai aumentar o número de passageiros. Eu posso fazer uma combinação de a operadora bancar esta obra e eu dou a concessão a ela.

O Rio vai ter um reforço de policiamento?

CABRAL: Vamos reforçar o policiamento. Copacabana é a primeira. E a Ilha do Governador, outra área importante, por ser um bairro estratégico.

Existe algum pacote específico para a área turística da cidade?

CABRAL: A faixa da Glória ao Recreio vai ter um policiamento diferenciado, agora, na alta estação, que segue com a vinda do Pan, da Força Nacional de Segurança Pública, inclusive na Zona Sul. Na minha avaliação, com a presença da Guarda Municipal no trânsito da cidade, e a mudança de turno nos batalhões, nós vamos ter uma disponibilidade de efetivo maior. O meu sentimento é de que nós vamos dobrar ou mesmo triplicar o policiamento na cidade do Rio de Janeiro. E a área turística será uma área com foco porque o turista é um patrimônio do Rio.

Um outro problema grave é a população de rua. Como o senhor pretende resolver isso?

CABRAL: Nós vamos municipalizar a operação da Fundação Leão XIII na cidade do Rio de Janeiro. Vai ter uma ação para tirar essa população da rua com a prefeitura. E vou dizer mais. Eu acho que nós tínhamos que limpar a orla. Eu conversei isso com o prefeito Cesar Maia. Isso é uma bagunça, uma desorganização. Eu disse ao prefeito que a polícia está à disposição para a ordem, para a ordem urbana. Vendedores ambulantes em local indevido, a polícia vai estar à disposição. O policiamento não é só para impedir o assalto, o policiamento é para garantir a ordem urbana. Nós temos que ganhar corações e mentes no serviço público. O servidor público está muito desmotivado.

Dos decretos assinados em dezembro, quais serão cancelados?

CABRAL: Saiu publicado hoje (quinta-feira) o cancelamento da promoção de 40 comissários (de polícia). O Berj, nós vamos olhar com calma para fazer receita com a venda dele de uma maneira mais inteligente.

Quais são as prioridades?

CABRAL: A prioridade agora é pagar o servidor e dar ao estado uma capacitação. O Aécio recebeu o estado quebrado e terminou no último mês com R$3 bilhões em caixa, pagou a folha com R$1 bilhão e ficou com R$2 bilhões em caixa. Fez tudo que teve que fazer? Não. Mas fez muita coisa. O estado se organizou. No primeiro momento, vamos organizar a casa.

E a dívida do estado, cujo serviço chega a R$3 bilhões anuais, vai ser renegociada?

CABRAL: Eu acho que o presidente tem razões para se preocupar em falar neste assunto, em função da alta credibilidade do governo brasileiro hoje junto aos organismos internacionais. Isso é perigoso. Eu acho que a gente tem espaço para discutir a Lei Kandir, na qual a reparação ao estado é muito aquém, o estado não se beneficia com o ICMS que é todo isento na exportação. E a Cide? O Estado do Rio recebeu, no ano passado, se eu não me engano, cerca de R$150 milhões, é muito pouco. Mas eu estou muito otimista. O Estado do Rio é maravilhoso. Primeiro, é um estado pequeno. Qual é o problema hoje? É de gerência e, do ponto de vista de planejamento, de alta concentração demográfica. Há uma pressão por serviços públicos muito concentrada. Mas o Rio tem riquezas, tem petróleo, tem cultura, tem serviços, tem uma industrialização fantástica que está sendo refeita com a Companhia Siderúrgica do Atlântico, com o pólo petroquímico.

Alguma posição definida sobre o saneamento da Barra?

CABRAL: É caro. O ideal é fazer o secundário. O ótimo é o inimigo do bom, o ideal era o terciário, você volta a beber a água. Mas eu acho que primeiro vamos fazer o tratamento de esgoto em toda a região. Eu acho que já é um grande avanço se ligar toda a rede de esgoto.

Como melhorar o funcionamento da Cedae?

CABRAL: Eu vou dar o exemplo do Espírito Santo, que é pior do que Minas Gerais. A Cesan era uma empresa falida, hoje é uma empresa que está preparando um projeto com o Banco Mundial de R$600 milhões para a região metropolitana de Vitória. Então, é gestão e despolitiização. Não pode o funcionário da Cedae, numa cidade qualquer, dizer para onde vai a água, de acordo com o interesse do deputado, isso é uma coisa inacreditável. A Cedae pode ser uma empresa solvente, mas alavancar dinheiro no mercado. Na Copasa, de Minas, o Aécio teve a ousadia de lançar ADR em Nova York, levantou R$1 bilhão.

O senhor não quis usar o Palácio Laranjeiras como residência oficial. Como vai lidar com manifestações na janela de sua casa?

CABRAL: Acho que é da democracia, mas eu não posso abrir mão de minha vida familiar, chegar em casa, ver meu filho, minha mulher. Hoje (quinta) vou ver o Chico Buarque. Amanhã (sexta) vou ver o Diogo Villella no João Caetano. Continuo a minha vida normal.

O senhor tem se dedicado integralmente às mazelas do estado. Não é uma ansiedade muito grande em resolver todos os problemas?

CABRAL: Não é ansiedade. É zelo pela responsabilidade, eu tenho que ser um governador zeloso. Eu estou dando exemplo para baixo, para os meus secretários, para os meus funcionários. Este zelo vai ser de hoje, do dia 1º de janeiro, até o dia 31 de dezembro de 2010. Zelo, preocupação, reconhecimento do erro, buscar solução. Eu não tenho ilusão de que os problemas serão todos resolvidos na minha gestão. Mas eu tenho que ter a consciência tranqüila de que eu fiz as coisas melhorarem.

NOVO GOVERNO: "A saúde não pode ser politizada por políticos nem por lutas corporativas", diz chefe do Executivo

Sérgio Cabral: "Canibalizaram o estado"

Para governador, órgãos da administração estão desmantelados e foram usados como cabide de emprego

Pelo que vimos nos últimos dias, o governo que acabou não se preocupou com a saúde?

SÉRGIO CABRAL: A saúde está abandonada no estado. E o problema não é dinheiro. Ontem (quarta-feira) à noite, o presidente Lula me retornou uma ligação, falei longamente com ele, falamos das Forças Armadas, contei sobre a visita ao (Hospital) Albert Schweitzer. É uma barbaridade. É uma coisa de gestão, a gente tem que despolitizar a saúde. A saúde não pode ser politizada nem por políticos, que tentam dominar hospitais, nem por lutas corporativas internas.

O senhor tem um problema de falta de recursos. Como pretende equalizar isso?

CABRAL: Vamos enfrentando o problema matando um leão por dia e tomando as ações de emergência. Vamos ter três visões, a de curto, a de médio e a de longo prazo. A gente vai elencar prioridades.

Em que prazo o senhor diria que as coisas vão melhorar?

CABRAL: Eu posso garantir que em seis meses mudou.

Como o senhor vai enfrentar o corporativismo dos servidores públicos?

CABRAL: Essa coisa de estabilidade no serviço público não é uma proteção infinita. Você não tem poderes como servidor para não fazer nada, desprezar o serviço público, ser incompetente, cometer crimes e não ser punido. Nós vamos procurar, ao mesmo tempo, oferecer a esses servidores a contrapartida de um bom salário, dentro da nossa realidade. Por exemplo, na parceria com o Cesar Maia na área da Polícia Militar e da Polícia Civil. Perguntei ao coronel Ubiratan (Ângelo, comandante da PM) e ao doutor Gilberto (Ribeiro, chefe de Polícia Civil): qual é a média do bico? Vamos lá, sei que é tudo ilegal, mas qual é a média? 700, 600, 800 reais. Então, nós vamos oferecer 700 reais de gratificação e mais o vale-transporte. Sobretudo porque o policial que trabalha em Copacabana mora no subúrbio. Acho que adesão vai ser muito grande. Porque nem todo mundo faz segurança para um Gerdau. Então, se o meu patrão está oferecendo uma coisa mais digna, por que não?

Há uma expectativa grande até de quem não votou no senhor. Isso não o preocupa?

CABRAL: Se você contratar o Ibope da Noruega e perguntar "Você está satisfeito com o sistema de educação do país?", vão dizer que não. O metrô de Oslo? Podia estar melhor. Chega cinco segundos atrasado. Aqui, eu não tenho nenhuma ilusão de que, daqui a quatro anos, o estado estará às mil maravilhas, mas posso garantir que vai estar muito melhor.

O senhor está dizendo que houve uma omissão nos últimos oito anos?

CABRAL: Se eu parar para ficar olhando para trás, não olho pra frente. Houve uma falta de gestão no estado, uma desestruturação do estado. A espinha dorsal do poder público é prestar serviços em áreas essenciais para a população, em educação, saúde. Se esses serviços não funcionam bem, o estado perde o respeito da população. Houve, ao longo dos anos, uma despreocupação com o que é básico no estado. Como não estou governando pensando em nenhuma calendário eleitoral, vou recuperar as estruturas do estado, que estão completamente desmanteladas.

O senhor está se referindo aos programas sociais? A farmácia popular, por exemplo?

CABRAL: A tudo. A farmácia popular é um bom programa. O doutor Sérgio Côrtes (secretário de Saúde) me disse hoje que a média de trabalhadores na farmácia popular é de 15 ou 30. Dependendo do tamanho, tem 30, 40. Caxias tem 30. Tem uma que tem 200. O dinheiro vai pelo ralo. Para que uma farmácia popular tem 200 funcionários? No Detran, o Neto (Antônio Francisco Neto, presidente do órgão) disse que aquilo lá é uma loucura. É um órgão que dá receita, mas virou um cabide de emprego. Canibalizaram o estado.

O senhor está querendo dizer que não é o governo da continuidade, como a ex-governadora afirmou?

CABRAL: Não, nunca fui, nunca disse que seria. Eu não posso controlar a cabeça da ex-governadora. Eu posso responder como respondi. Em relação à questão de não se dobrar a grupos da elite. Primeiramente, acho uma visão absolutamente deturpada, distorcida e equivocada, separar povo e elite. Posso almoçar com o Gerdau e dar uma proteção à área de turismo do Rio, a Ipanema, a Leblon, a Copacabana. Isso não é elitismo, é proteger uma região freqüentada por turistas e que tem cidadãos que pagam impostos, que moram lá e merecem ser bem tratados.