Título: Exemplo
Autor: Rosenfield, Denis Lerrer
Fonte: O Globo, 08/01/2007, Opinião, p. 7

Avida política não cessa de nos reservar surpresas. Normalmente se entende a alternância de poder como uma mudança de políticas, porque, afinal, se os eleitores optaram pela mudança, seria natural que a sua escolha se traduzisse por mudanças reais. Muitas vezes, também, a escolha se faz pela mera conservação, pois os cidadãos estão de acordo com os seus representantes. Igualmente pode ocorrer que certas políticas sejam mantidas e outras não. No entanto, parece que há paradigmas que permanecem constantes, como se o Estado brasileiro devesse ter sempre uma elevada carga tributária, e isto independentemente de partidos políticos. A voracidade tributária parece ser suprapartidária.

O governo Fernando Henrique se caracterizou por um aumento enorme da carga tributária, avolumando, inclusive, recursos nos cofres da União em detrimento dos estados e municípios por intermédio da criação e aumento de diferentes tipos de contribuições, não considerados, sob este aspecto técnico, como impostos. O Estado brasileiro incrementou a sua fatia do bolo coletivo às expensas da sociedade e das empresas. Serviços públicos que não estão minimamente à altura dos impostos e contribuições arrecadados mostram o quanto essa política não redunda em benefício da coletividade.

O candidato Lula, apesar do discurso de que não aumentaria a carga tributária, enveredou pelo mesmo caminho, em nome de um Estado que tudo promete e pouco oferece de retorno. Observou-se uma mesma linha de continuidade, com uma diferença, no entanto, significativa: a sociedade, cada vez mais, não aceita esse tipo de imposição. Impostos, taxas e contribuições se tornaram uma questão propriamente política. A opinião pública brasileira está sendo formada, percebendo que "imposições" tributárias não devem ser mais toleradas. E isto se reflete nas esferas municipais, estaduais e federal.

A questão tributária não é uma questão menor. Ela envolve o tamanho do Estado, suas funções, o emprego dos recursos públicos, o crescimento econômico, a livre escolha da sociedade até o que o cidadão decide o que é melhor para si. Mais abrangentemente, ela concerne a deturpações da concorrência, na medida em que, para fugir de impostos e contribuições, alguns empresários escolhem a via da sonegação, diminuindo os recursos do Estado e estabelecendo relações de trabalho informais. Grandes empresas ficam prejudicadas pelo contrabando, pois esse tipo de produto entra numa competição desigual, que desfavorece as empresas estabelecidas. A ilegalidade é daninha para toda a sociedade.

O Rio Grande do Sul acaba de dar um exemplo, pois, na alternância de poder, venceu uma proposta que sustentava que o novo governo não aumentaria a carga tributária, nem manteria um outro aumento de impostos, aprovado no governo anterior. Diga-se de passagem que esse último aumento só foi aprovado com extrema dificuldade, tendo contra si uma ampla movimentação da sociedade em geral e das federações empresariais em particular. A lição que já podia se extrair naquele então é que um novo governante não deveria se arriscar na mesma via e, se o fizesse, se expunha a uma estrondosa derrota. Ora, a nova governadora, premida por um enorme déficit estrutural do estado, se viu obrigada a recorrer à solução tradicional: o aumento da carga tributária, como se uma outra saída não fosse possível. O resultado, previsível, foi a não-aprovação do pacote.

Os deputados agiram em sintonia com a sociedade. Suas próprias bases eleitorais já não admitem que os seus bolsos sejam cada vez mais onerados. Tucanos e petistas se alternando no poder não podem agir da mesma maneira. O mesmo vale para todos os partidos e governantes que assumam as mesmas posições. É como se existisse uma indistinção das oposições, como se não houvesse nenhuma outra saída para o Estado, senão a conservação do seu tamanho, os altos salários de setores do Poder Executivo, do Poder Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público, a posição subordinada da sociedade e a crescente oneração do setor produtivo. O exemplo em questão mostra que nem toda imposição de "impostos" vinga se há uma opinião pública atenta e parlamentares com convicções e partidos coerentes com questões programáticas.