Título: Aliança perigosa
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Fonte: O Globo, 08/01/2007, Opinião, p. 7

Recentemente, o Brasil foi honrado com a visita do presidente dos Estados Unidos da Venezuela, coronel Hugo Chávez, retribuindo a que lhe foi feita recentemente pelo nosso próprio presidente, durante a qual o brasileiro, afastando-se da prática consagrada nas relações internacionais de não-ingerência na política interna de outros Estados, subiu ao palanque de Chávez, na época candidato à reeleição como presidente da Venezuela e, também, candidato ao papel de libertador da América Latina do jugo dos Estados Unidos.

O candidato Chávez, por sua vez, havia proclamado seu apoio à candidatura do senhor Evo Morales à Presidência da Bolívia, candidatura essa que, uma vez vitoriosa, redundou em graves prejuízos para os interesses do Brasil naquele país.

A imprensa divulgou, e o governo boliviano não desmentiu, a notícia de que a Bolívia pretende instalar, com o apoio técnico e financeiro da Venezuela, uma cadeia de bases militares ao longo da fronteira com o Brasil.

Não é óbvio o interesse que a Bolívia possa ter na criação de bases militares para defender uma fronteira que ninguém ataca. É perfeitamente claro, ao contrário, o interesse da Venezuela em aumentar a sua área de influência. Os resultados das eleições presidenciais na Venezuela, na Bolívia e no Equador parecem configurar a possibilidade de realização do sonho do presidente Hugo Chávez, a criação de uma "ala dissidente" de repúblicas latino-americanas - quebrando a unidade do continente.

A Venezuela parece resolvida a disputar com o Brasil espaço político no continente, e assumir o papel de liderança da área.

Há motivo para recear que nosso governo não resista à tentação de somar esforços com a Venezuela nessa "declaração de independência", tamanha é a estima e a admiração repetidas vezes manifestadas por nosso presidente em relação ao seu colega venezuelano. Ainda durante sua recente visita a Caracas o presidente brasileiro referiu-se ao coronel Chávez aproximadamente nos termos com que Dante, na "Divina Comédia", dirige-se a Virgilio: "Tu duca, tu maestro e tu signore" ("És meu guia, meu mestre e meu senhor").

Vai-se começando a configurar assim a realização do sonho do presidente da Venezuela de um bloco latino-americano neutro ou hostil em relação às posições do governo de Washington.

É de esperar que a diplomacia brasileira convença o governo a não embarcar nessa canoa. Sob a sábia orientação do Barão do Rio Branco, passando pela aliança sonhada e concluída pela ação patriótica desse outro grande chanceler que foi Oswaldo Aranha, o Brasil conquistou dentro do congraçamento continental uma posição, por assim dizer, de "nação mais favorecida" junto aos Estados Unidos.

É de esperar que a posição do Brasil nessa questão, como em todas as outras, não seja ditada pelas simpatias pessoais ou com idéias próprias do presidente da República e sim pela avaliação dos interesses nacionais. Isso evitaria imbecilidades como o "projeto do eixo Sul-Sul" ou fantasias irrelevantes e infantis como a "cúpula África-América Latina".