Título: Sem discriminar
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Fonte: O Globo, 08/01/2007, Tema em Discussão, p. 6

Quatro anos do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram suficientes para mostrar a dimensão do fosso que separa a visão que movimentos sociais atuantes na máquina pública têm da questão racial e o entendimento de parte ponderável da comunidade acadêmica, da opinião pública e do Congresso. Até mesmo no governo há temores diante do radicalismo com que o tema vem sendo abordado.

O debate se trava em torno de dois projetos de lei. Um estabelece cotas raciais na distribuição de vagas no ensino superior, também incluídas no pacote da reforma universitária. O outro, bem mais abrangente, cria o eufemístico estatuto da Igualdade racial, base legal para a discriminação pela cor numa série de atividades. No emprego público, por exemplo.

O estatuto já passou pelo Senado. Na Câmara, espera-se que seja mais debatido, sem tramitar a toque de caixa, como desejam grupos organizados. O centro da polêmica é múltiplo: tem a ver com o princípio do mérito no ensino, abalado pelas cotas; e com um pilar estratégico em qualquer sociedade aberta, os direitos civis.

Aprovado o estatuto, os cidadãos deixarão de ser iguais perante a lei, conforme estabelece a Constituição. A depender da cor da pele, uns serão mais iguais do que outros.

O debate tem sido mais aceso na universidade, por causa das cotas. Algumas faculdades da UFRJ, explicitaram a oposição ao sistema, por temer uma previsível queda na qualidade de ensino e na formação dos alunos. Em outras, como a Universidade de São Paulo, USP, tenta-se conjugar cotas raciais com sociais, uma mistura impossível de ser feita sem malbaratar de alguma forma o conceito do mérito e da competência.

Um grupo de intelectuais, incluindo até mesmo ativistas de movimentos negros, assinou um documento contra as cotas e o estatuto. Teme-se, com justificadas razões, importar-se para o Brasil uma tensão racial que não é nossa. Melhor seria apoiar a ascensão social de todo e qualquer pobre. Sem discriminações raciais.