Título: Nem 1% dos homicídios chega a júri num ano
Autor: Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 09/01/2007, O País, p. 5

Pesquisa mostra impunidade em Recife, uma das capitais mais violentas do país, onde há também crimes sem investigação

RECIFE. Menos de 1% dos homicídios registrados a cada ano em Recife chega a julgamento até um ano após ter sido praticado. Na cidade, considerada uma das mais violentas do país, as taxas médias de assassinatos somam 61 por cada grupo de cem mil habitantes. As informações constam de pesquisa realizada a pedido do Ministério Público de Pernambuco, cujos resultados foram divulgados ontem por professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Eles monitoraram 2.114 homicídios ocorridos entre 2003 e 2004, rastrearam os inquéritos policiais e a quantidade remetida ao Ministério Público. Em 2005, os pesquisadores investigaram o destino dessas investigações na Justiça.

Segundo os autores do estudo, os professores José Luiz Ratton e Flávio Cireno, do total de homicídios investigados, ao final de um ano, apenas 1,3% haviam chegado à Justiça. Dos 2.114 homicídios, só 0,8% chegou a julgamento, enquanto 0,5% estavam para ser julgados.

Do total de assassinatos, somente 712 (33,68%) chegaram ao Ministério Público. Ou seja, dentro do período estudado, cerca de dois terços dos homicídios cometidos não foram objeto de investigação policial, e portanto, não chegaram ao Ministério Público, disseram os pesquisadores. Eles informaram que essa ¿perda¿ de 66,32% refere-se a homicídios sobre os quais a polícia ¿não toma conhecimento por um ou outro motivo¿ ou a inquéritos que ¿não iniciados ou esfriados dentro das próprias delegacias¿. Pior: dos inquéritos encaminhados ao Ministério Público, 39% não apontavam os autores dos crimes.

Menos de 20% dos inquéritos são elucidados

De acordo com o estudo, menos de 20% dos inquéritos que apuram homicídios registrados na capital chegam a ser elucidados.

¿ Se formos computar aí também os arquivados, podemos dizer que esse percentual cai para 15%, um ano após o crime ter sido executado. Dentre as esferas investigadas, o Ministério Público revelou-se o mais ágil, tendo encaminhado 80% dos inquéritos que recebeu às varas do júri ¿ disse Ratton.

¿ Estamos entre o sucesso e o colapso institucional. Com muito esforço, conseguimos remeter para a Justiça 80% do que recebemos, mas precisaríamos nos equipar para receber um volume maior de inquéritos. A polícia precisa trabalhar melhor, mas tanto o Ministério Público quanto o Judiciário precisam estar mais bem aparelhados para receber maior volume de inquéritos ¿ afirmou o procurador-geral de Justiça de Pernambuco, Francisco Sales.

Ele frisou a necessidade de que as delegacias de polícia sejam permanentemente fiscalizadas pelo Ministério Público.

¿ Sem controle externo, nenhuma instância funciona bem ¿ afirmou.

Segundo o delegado Ademir de Oliveira, da organização- não-governamental Delegados pela Cidadania, a delegacia de homicídios em Recife tem um passivo de 3.300 inquéritos. De acordo com os pesquisadores, há sete delegados atuando no setor de assassinatos, sendo que cada um tem, em média, 50 inquéritos sob sua responsabilidade.

Nos Estados Unidos, crimes são julgados em até 250 dias

O problema não é só de Pernambuco. Ratton disse que, em São Paulo, um homicida leva até 1.411 dias para ser julgado, enquanto nos Estados Unidos e na Inglaterra esse prazo normalmente é inferior a 250 dias.

Ratton informou ainda que a taxa de elucidação de homicídios naqueles dois países fica acima de 50% em ¿períodos muito curtos¿. De acordo com os professores, há cerca de 960 presos em Recife aguardando julgamento por homicídio, enquanto 240 outros encontram-se cumprindo penas pelo mesmo crime. A população carcerária do estado chega a 15.600 detentos, dos quais 5.500 estão presos por homicídio. Destes, 2.970 acusados estão presos na região metropolitana.