Título: EUA reagem a nacionalização
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 10/01/2007, O Mundo, p. 27

Casa Branca exige que empresas americanas sejam indenizadas por expropriação

Os planos de nacionalização de empresas de energia e telecomunicações, anunciados pelo presidente Hugo Chávez, da Venezuela - e que poderiam vir a se estender às companhias de petróleo estrangeiras instaladas no país - provocaram uma reação imediata dos Estados Unidos. A Casa Branca exige uma indenização justa às empresas americanas que venham a ser afetadas por tal decisão.

- Se alguma das firmas americanas for afetada, esperamos que elas sejam compensadas rapidamente e de forma justa - disse Gordon Johndroe, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, da Casa Branca.

Ele também criticou o gesto do venezuelano, que assumirá hoje seu novo mandato de seis anos:

- Vimos as declarações de Chávez. E vimos também os resultados da nacionalização em outros lugares. E, no geral, esses tipos de ações não produzem os benefícios econômicos esperados - disse Johndroe.

Houve uma reação em cadeia. Sean McCormack, porta-voz do Departamento de Estado, disse que a idéia de Chávez "é um caminho bem gasto que a História já mostrou que habitualmente não beneficia a população do país em questão". E arrematou:

- A essa altura, se de fato for adiante a nacionalização, há uma prática internacional que é a da compensação das empresas estrangeiras por um valor justo de mercado pelos bens nacionalizados. Esperamos que a Venezuela cumpra as suas obrigações.

Por sua vez, Tony Snow, porta-voz da Casa Branca, comentou:

- Bem, a nacionalização tem uma longa e vergonhosa história de fracassos em todo o mundo. Nós apoiamos o povo venezuelano e achamos que este é um dia infeliz para ele.

Pelo menos duas grandes empresas dos EUA seriam prejudicadas imediatamente pela iniciativa de Chávez. Uma delas é a Verizon Communications, uma das gigantes de telecomunicação, que possui 28,5% de ações da CANTV, a companhia telefônica da Venezuela. A outra é a AES, proprietária da Electricidad de Caracas (EDC).

Se Chávez levar adiante também o seu desejo de extirpar todo investimento privado no setor de petróleo, as americanas Exxon Mobil, Chevron e ConocoPhillips seriam atingidas - assim como a britânica British Petroleum, a francesa Total e a norueguesa Statoil.

Só por conta do anúncio de intenções de Chávez, o valor das ações de todas as empresas mencionadas caiu ontem tanto em Wall Street quanto na bolsa de valores de Caracas. Quando os preços começaram a despencar a Comissão Nacional de Valores, da Venezuela, decidiu suspender por 48 horas as cotizações tanto da CANTV quanto da EDC.

Venezuelanos vivem dias de incerteza

A primeira teve uma queda de 30,27% e a segunda, de 20,39%, pouco antes da suspensão. Em Nova York, as ações CANTV caíram 14%, as da AES, 4,4%, e as da Verizon, 5%. O mercado se agitou. "O anúncio do presidente Hugo Chávez chegou como uma surpresa, pois tínhamos a impressão de que ele apoiava os investimentos estrangeiros", dizia a nota que o Bank of America emitiu para os investidores.

A situação da Verizon, que possui mais de um quarto da CANTV, é complicada pelo fato de que a empresa acabara de fechar um acordo para vender a sua parte (28,5%) para a mexicana America Móvil, do bilionário Carlos Slim, por US$676,6 milhões.

Segundo fontes do setor, a Verizon já sabia desde agosto que Chávez vinha estudando nacionalizar a CANTV e por isso aceitara negociar com o mexicano. O fato de Chávez ter anunciando intenções de alterar as regras criou enorme incerteza no mercado.

- Ninguém sabe o que vai acontecer e, por isso, os investidores estão esperando pelo pior. Alguns mercados são mais arriscados que outros, mas há algum tempo tem estado claro que a Venezuela é o mais arriscado - disse Urban Larson, da F&C Investments, de Boston.

Na Venezuela, as ações de Chávez são acompanhadas com apreensão. O pedido à Assembléia Nacional para que conceda poderes especiais é uma tradição política na Venezuela, que usa o termo "habilitantes" para as leis aprovadas desta forma. O cientista político venezuelano Miguel Tinker Salas lembra que o presidente Chávez fez o mesmo depois das eleições de 2000, quando passou as "famosas 41 habilitantes", e que, com a consagradora reeleição, poderia fazer mudanças ainda mais profundas:

- À exceção do controle sobre a energia e as telecomunicações pelo governo, os parâmetros do que é o socialismo do século XXI ainda não foram definidos.

De acordo com o professor Jorge Pinto, mexicano que foi diretor executivo do Banco Mundial responsável pela Venezuela, a estatização das empresas fará com que o presidente Chávez perca parte da popularidade que tem hoje.

- O que as nacionalizações farão é aprofundar a crise que ainda não está muita clara para o povo venezuelano. E não está clara devido aos altos preços do petróleo no mercado internacional. Com a queda dos preços do petróleo, a insatisfação interna irá se aprofundar - disse ele. - Pessoas que defendem a liberdade de imprensa já estão muito preocupadas com o populismo de Chávez, que representa uma ideologia muito parecida com outros momentos na história da América Latina, como Perón, na Argentina. Ele está concentrando demasiado poder. O país está se tornando cada vez mais claramente um país totalitário.

COLABOROU Renato Galeno