Título: Crime ambiental reprisado
Autor: Engelbrecht, Daniel e Balbi, Aloysio
Fonte: O Globo, 11/01/2007, Rio, p. 12

Menos de um ano depois, mineradora volta a poluir rio que abastece o Norte Fluminense

Oompimento de um dique da mineradora Rio Pomba Cataguases Ltda, em Miraí (MG), provocou o derramamento ontem de madrugada de pelo menos dois milhões de metros cúbicos (dois bilhões de litros) de lama misturada com bauxita e sulfato de alumínio no Rio Muriaé, um dos afluentes do Paraíba do Sul. A previsão era de que os rejeitos ¿ que podem conter ainda cromo, um metal pesado tóxico ¿ atingissem o Estado do Rio na madrugada de hoje, interrompendo o abastecimento de água nos municípios fluminenses de Lajes do Muriaé, Itaperuna e São José de Ubá, onde vivem cerca de 90 mil pessoas. Italva, Cardoso Moreira e Campos também podem ser afetados. A Cedae solicitou carros-pipa ao Governo de Minas para atender à população da região.

Este foi o segundo acidente envolvendo o mesmo reservatório da empresa. Em março do ano passado, 400 mil metros cúbicos de lama e bauxita atingiram o Rio Muriaé, afetando até a pesca em São João da Barra, onde deságua o Paraíba. O volume de rejeitos que vazaram ontem do dique, que se rompeu por volta das 4h, é cinco vezes maior, mas técnicos da Cedae e da Secretaria estadual do Ambiente acreditam que o impacto será menor, pois os rios Muriaé e Paraíba do Sul estão com volume acima do normal, o que deve diluir os resíduos.

¿ Acreditamos que a lama não chegue até Campos ¿ afirmou o presidente da Cedae, Wagner Victer, que deslocou o gabinete do diretor de Interior da companhia, Heleno Silva, para Lajes do Muriaé.

Miraí tem 4 mil desabrigados

O material que vazou, a princípio, não é tóxico. Com base no acidente do ano passado, no entanto, o secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, ressaltou que pode haver cromo entre os resíduos, um metal pesado capaz de provocar irritações na pele e, em doses elevadas, até câncer. Técnicos da Fundação Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais (Feam) e da Feema coletaram amostras para análise e o resultado deve ficar pronto segunda-feira. Com o aumento da turbidez do Rio Muriaé e a conseqüente diminuição do teor de oxigênio dissolvido na água, é esperada mortandade de peixes.

Para garantir o abastecimento dos municípios de Lajes do Muriaé e Itaperuna, a Cedae solicitou à Companhia de Saneamento de Minas (Copasa) pelo menos 38 carros-pipa. Em Itaperuna, que tem 80 mil habitantes, eles serão usados principalmente para atender a hospitais e postos de saúde. Em São José de Ubá, onde vivem 2.400 pessoas, um sistema alternativo de captação será montado, aproveitando a água de outro manancial. Segundo Wagner Victer, o custo será repassado ao governo de Minas. O abastecimento só deve voltar ao normal nesses municípios em cinco ou seis dias.

A situação em Miraí, onde fica a barragem, é dramática. As enchentes, agravadas pelo vazamento, deixaram quatro mil pessoas desabrigadas. O outro município mineiro atingido é Muriaé. Técnicos da Feema e da Cedae foram deslocados para a região para monitorar o avanço da lama. Uma das dificuldades enfrentadas foi a falta de teto para sobrevôos de helicópteros. Várias estradas, inclusive a de acesso para Miraí, também estão com trechos interditados. Os produtores rurais estão sendo orientados a desviar a água usada em irrigação para abastecimento, apressar a colheita do que for possível e retirar o gado das margens do Rio Muriaé.

O prefeito José Geraldo, de Lajes do Muriaé, a primeira cidade fluminense que sentirá os efeitos da mancha de lama da bauxita que vazou em Minas, disse ontem que mobilizou 13 carros-pipa para transportar água mineral de uma fonte da localidade de Panorama para abastecer a população de 12 mil habitantes, caso seja necessário interromper o abastecimento. Ele decretou estado de alerta porque, além da poluição, existe o risco iminente de enchente, com a subida do nível do Rio Muriaé. Na tarde de ontem, algumas ruas já estavam alagadas. José Geraldo criticou os órgãos ambientais de Minas Gerais:

¿ Esta é a segunda vez que isso acontece em menos de um ano. Ainda estamos contando os prejuízos de março do ano passado.

A Cedae estava enviando ontem para Lajes do Muriaé um laboratório móvel para fazer a análise da água a cada meia hora. José Geraldo disse que a interrupção do abastecimento vai depender dessas análises:

¿ Estamos preocupados ainda com a possibilidade de enfrentar ao mesmo tempo uma grande enchente.

Já o prefeito de Itaperuna, Jair Bittencourt, mobilizou uma equipe técnica para acompanhar a situação e decretou estado de alerta. O município também está preocupado com uma tromba d¿água que caiu em Muriaé. O prefeito lembrou que, em menos de um ano, esta é a segunda vez que acontece o rompimento de uma represa da mineradora:

¿ É preciso dar um basta nesta seqüência de acidentes.

Em Cardoso Moreira, outra cidade que pode ser atingida pelo poluição, o prefeito Renato Jacinto fez coro:

¿ O que estamos assistindo é a uma total irresponsabilidade, com barragens de indústrias colocadas na margem dos rios. Algo tem ser feito para colocar um fim nisso.

Em Campos, onde o Rio Muriaé deságua, a captação, o tratamento e a distribuição de água são privatizados. A concessionária Águas do Paraíba divulgou uma nota afirmando que não há risco de suspensão do fornecimento de água tratada nem de desabastecimento na cidade devido ao rompimento da barragem em Miraí. Segundo a nota, o rompimento da barragem provocou apenas o lançamento de maior quantidade de barro no afluente do Paraíba do Sul. A única alteração que isso pode provocar, segundo a concessionária, é na cor da água bruta, sem qualquer problema para a população após o tratamento adequado.