Título: Será o clássico socialismo, já fracassado
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Fonte: O Globo, 11/01/2007, O Mundo, p. 30

Cientista político venezuelano afirma que reformas anunciadas por Chávez aumentarão controle sobre sociedade

As reformas anunciadas pelo presidente Hugo Chávez em sua posse ontem terão como efeito um aumento do controle do governo sobre a sociedade. Segundo o doutor Hernán Castillo, professor de ciências sociais e políticas da Universidade Simón Bolívar, paradoxalmente a guinada para o socialismo não deve ser tão traumática, pois a economia do país já é, em grande parte, dependente do Estado.

A idéia do socialismo do século XXI, ou do socialismo bolivariano, que o presidente Hugo Chávez anuncia há alguns meses, ficou mais clara depois do discurso de ontem?

HERNÁN CASTILLO: Na verdade, eles não têm muito claro o que é o socialismo do século XXI. O que podemos esperar é uma autocracia que, como no passado, se sustenta na excessiva renda do petróleo. O que se trata de uma continuação das reformas na vida social, política e econômica da Venezuela. E o que se pode esperar é o clássico socialismo, que fracassou em tantos lugares.

A transição para o socialismo, tal qual pregada por Chávez, provocaria grandes alterações políticas e econômicas?

CASTILLO: No caso da Venezuela, não é difícil fazer esta transição para um socialismo, pelo menos no sentido autocrático. No Brasil, uma fatia muito grande do Produto Interno Bruto está nas mãos da iniciativa privada. Implantar o socialismo aí seria uma tarefa descomunal. Aqui na Venezuela, entre 70% e 80% do Produto Interno Bruto são de origem estatal. Qualquer projeto nacionalista, socialista ou econômico, é fácil. O setor privado é muito pequeno. Um passo importante para este caminho autocrático do governo é retirar a autonomia do Banco Central. Passará a haver um Banco Central que servirá apenas para emitir títulos, emitir moeda. O que quero dizer com isso é que não haverá contrapesos, não haverá divisão de poderes. É a consolidação de um projeto autocrático, petropopulista.

Chávez pediu que a Assembléia Nacional concedesse a ele poderes especiais, as chamadas leis habilitantes. O que são elas?

CASTILLO: Na Venezuela, habilitantes são faculdades que o Parlamento dá ao presidente para que ele legisle. No caso específico atual, no qual a Assembléia Nacional está sob controle do governo, a diferença é pequena. Chávez já tem controle total.

O que é a anunciada nova geometria do país?

CASTILLO: É uma reforma constitucional que fala do poder comunal. Na verdade, trata-se de uma redistribuição territorial. A Venezuela é dividida em 23 estados e mais de 300 municípios. A reforma criará as comunas, que substituirão os municípios, que deixarão de existir. Haverá outra distribuição geográfica. Não se sabe quantas serão nem como será feita a redistribuição.

Será uma redistribuição territorial politicamente neutra?

CASTILLO: Duvido muito. Será algo feito para exercer um controle maior sobre a sociedade. Algo no mesmo sentido do que foi anunciado em relação ao canal de televisão RCTV, que não terá sua concessão renovada este ano. Tirar do ar canais de TV que são politicamente contrários a governantes não é novo na América do Sul. O presidente Alberto Fujimori fez o mesmo, fechou uma TV opositora no Peru.

As reformas propostas por Chávez colocam o Mercosul em risco de alguma forma?

CASTILLO: Não creio. Economicamente, não. Politicamente, não sei que conseqüências elas podem ter. O manejo das relações internacionais já sofreu uma grande mudança, com profundas alterações estratégicas. Anteriormente, a prioridade era a relação com os demais países andinos. Chávez mudou isso (o país se retirou da Comunidade Andina de Nações), colocando o país no Mercosul.

Chávez exagerou ao insultar o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza?

CASTILLO: Isso foi extremamente vergonhoso. Algo semelhante ao que ocorreu nas Nações Unidas. E ainda mais curioso pois a Venezuela foi um dos países que impulsionaram a candidatura do Chile, de Insulza, para o cargo de secretário-geral da OEA.