Título: Socialismo a qualquer custo
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Fonte: O Globo, 11/01/2007, O Mundo, p. 30

Presidente venezuelano radicaliza discurso em posse e anuncia estatização do gás

CARACAS

Dois dias depois de surpreender mercados internacionais ao anunciar a nacionalização dos setores de eletricidade e telecomunicações, o presidente Hugo Chávez causou ainda mais apreensão ontem, dia em que tomou posse para o seu terceiro mandato. Ele radicalizou seu discurso, anunciando que o país se tornará um Estado socialista e confirmando que a exploração de gás natural também será nacionalizada.

Com a mão sobre a Constituição ¿ que, apesar de ter sido promulgada em 1999, será reformada por Chávez ¿ ele anunciou seu projeto de um socialismo ¿cristão-marxista-leninista¿ em termos grandiloqüentes, dizendo que ¿nada nem ninguém me impedirão¿ de transformar a Venezuela num país socialista, ¿custe o que custar¿.

¿ Juro por meu povo e juro por minha pátria que não darei descanso a meu braço, nem repouso à minha alma, entregarei meus dias e minhas noites e minha vida inteira à construção do socialismo venezuelano, de um novo sistema político, de um novo sistema social, econômico. Juro por Cristo, o maior socialista da história. Pátria, socialismo ou morte, eu juro ¿ disse o presidente, recitando uma frase usada pelo líder guerrilheiro Ernesto ¿Che¿ Guevara.

O presidente ¿ que foi eleito pela primeira vez em 1998, convocou e aprovou uma constituinte que concedeu a ele o direito de concorrer novamente em 2000 e tentar a reeleição em 2006 ¿ ficará no poder até 2012 de acordo com a Constituição. Porém, confirmou ontem que pedirá uma reforma constitucional para poder ser reeleito indefinidamente, pois, segundo disse, a transição para o socialismo ¿não será rápida¿.

A reforma da Constituição, na verdade, é um dos ¿quatro motores¿ para o seu governo. Os outros são a concessão de poderes constitucionais especiais para ele; uma ¿jornada nacional moral¿; e o ¿poder popular¿.

Entre os poderes especiais pedidos por Chávez ontem à Assembléia Nacional está o de nacionalizar não apenas os setores energético e de telecomunicações ¿ anunciada segunda-feira e que derrubou o valor das empresas locais, que têm participação de companhias americanas, nas bolsas de valores ¿ mas também o de exploração de gás natural. Outra ação que deve ser tomada com os seus poderes especiais é acabar com a autonomia do Banco Central venezuelano. Ontem ele afirmou que a repercussão de suas medidas não atrapalham o país.

¿ As bolsas de valores podem cair, mas a economia da Venezuela está pujante.

A chamada revolução moral prega o fim da ¿cultura de corrupção¿ no país. Ontem ele chegou a pedir que funcionários públicos abaixem voluntariamente seus salários, antes que seja fixado um teto.

¿ Cada um com sua consciência. Oxalá me mandem uma cartinha e digam: ¿renuncio a meu subsídio¿ ¿ disse o presidente, diante dos deputados da Assembléia Nacional, ontem.

Ontem, representantes do governo liderados pelo ministro do Interior, Pedro Carreño, se reuniram com a liderança da Conferência Episcopal Venezuelana (CEV). Um dos bispos presentes afirmou que os funcionários do governo insinuaram que parte da delinqüência e da corrupção no país deve ser creditada à Igreja, pois ¿os que cometem estes delitos em sua maioria são católicos, e isso reflete sua falta de formação¿.

Num dos poucos momentos em que moderou suas palavras durante as três horas de discurso, Chávez reconheceu que exagerou ao usar um palavrão para insultar o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, que criticara sua decisão de não renovar a concessão para uma TV privada opositora este ano. Mas não pediu desculpas:

¿ O amor que é profundo, que é infinito, me leva às vezes a dizer coisas além do que é prudente. Reconheço, mas não me arrependo. Estou defendendo a dignidade da Venezuela.

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