Título: Inflação erra o alvo, para baixo
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 13/01/2007, Economia, p. 27

IPCA subiu só 3,14% em 2006 e, pela primeira vez, foi inferior ao centro da meta

Pela primeira vez desde 1999, quando foi implantado o sistema de metas de inflação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou abaixo do alvo fixado pelo governo. A taxa, divulgada ontem pelo IBGE e que serve de referência para o sistema, ficou em 3,14%, percentual inferior à meta de 4,5% fixada para este ano. A inflação em 2006 foi a menor dos últimos oito anos ¿ em 1998, quando o câmbio ainda era controlado e a economia cresceu só 0,5%, o IPCA ficou em 1,65%.

Em dezembro, a inflação foi de 0,48%, superior aos 0,31% de novembro, em razão da alta de 14,5% dos ônibus urbanos em São Paulo.

Uma conjunção de fatores positivos ajudou a manter os preços sob controle no ano passado. Safra de grãos de 116 milhões de toneladas, 4% maior que em 2005, dólar 8,08% mais barato, febre aftosa e gripe aviária prejudicando as exportações e aumentando a oferta interna de aves e carne bovina, e a redução nas tarifas de energia e telefonia em alguns estados derrubaram a inflação.

¿ Em 2006, vimos se concretizar de fato a desindexação dos preços. Consolidou-se uma situação de estabilidade, com poucas pressões isoladas ¿ disse Eulina Nunes, coordenadora do Sistema de Índice de Preços do IBGE.

Plano de saúde, a maior pressão

Uma dessas pressões isoladas veio do plano de saúde, que subiu 12,30% no ano, respondendo sozinho por 12% de toda a inflação em 2006. Enquanto isso, outros preços administrados, como energia e telefonia, que estavam sempre na lista das principais pressões em anos anteriores, dessa vez ajudaram a conter a inflação. Na telefonia fixa, houve queda de 0,84%, enquanto a energia subiu apenas 0,27%. Em 2005, esses serviços aumentaram 6,88% e 8,03%, respectivamente:

¿ Certamente, este ano não teremos essa influência positiva, com queda nas tarifas. Mas a inflação continuará comportada ¿ disse o economista e professor da PUC Luiz Roberto Cunha.

O grupo alimentação foi mais um componente importante na inflação baixa, com variação de apenas 1,22% no ano passado, a menor nesses 12 anos de estabilização da moeda, igualando-se à taxa de 1997, quando o Banco Central administrava as cotações do dólar.

Esse grupo também não deve puxar para baixo a inflação brasileira este ano. Segundo Elson Teles, economista-chefe da Corretora Concórdia, já se vislumbram aumentos de commodities agrícolas, que podem afetar os preços internos. Outra preocupação está na recuperação da renda. Os serviços estão em alta, como cabeleireiros e refeições fora do domicílio. Estas últimas subiram 4,58% no ano.

¿ Há um ambiente propício para recomposição de margem, com o aumento do salário mínimo e do crédito ¿ disse Teles.

A pequena variação dos alimentos deu mais folga ao orçamento das famílias de renda mais baixa. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que acompanha as oscilações de preços para quem ganha até seis salários mínimos, mostrou menos corrosão inflacionária. No ano, subiu apenas 2,81%, também a menor variação desde 1998, quando o INPC ficara em 2,49%.

Os economistas, mesmo não vendo um cenário tão favorável para a inflação este ano, acreditam que o IPCA poderá ficar novamente abaixo da meta que, em 2007, também é de 4,5%. Segundo os analistas, a taxa deve ficar próxima de 4%.

¿ Estamos vendo números cada vez menores, que é a essência da meta de inflação. Os preços administrados e o dólar podem não dar as contribuições de 2006, mas não se desenha para este ano um movimento geral de alta. Será como em 2006, com pressões pontuais ¿ disse Eulina Nunes, do IBGE.

Taxa comparável à de Primeiro Mundo

A inflação brasileira está entre as menores da América Latina ¿ só perde para Peru, com 2,4% e Panamá, com 2,8%. Também é uma das mais baixas entre os principais países emergentes e se aproxima dos percentuais de nações desenvolvidas. Teles lembra que, no Reino Unido, nos últimos 12 meses, a taxa está em 2,7%:

¿ É uma vantagem comparativa, para o Brasil, ter os preços estáveis. Influencia na decisão de investidores ¿ diz Alex Agostini, economista do Austin Rating.