Título: Uma decisão política
Autor:
Fonte: O Globo, 13/01/2007, O Mundo, p. 33

Por trás da revisão do passado trágico do país, incluindo os excessos que podem ter sido cometidos pelo governo peronista de 1973-1976, há uma clara decisão política nas resoluções de dois juízes nos últimos dias. Nenhum juiz federal tomaria decisões como a de pedir a captura da ex-presidente Isabel Perón ou de investigar a fundo os crimes da Tríplice A se percebesse que semelhantes atos incomodariam o governo nacional.

Que hoje a Justiça esteja analisando fatos ocorridos há mais de 30 anos, dos quais nenhum magistrado se ocupou seriamente nos últimos tempos, não é algo que tenha acontecido por acaso.

Pode se ver no fato de se estar desenterrando o debate sobre as violações dos direitos humanos anteriores ao golpe militar de 1976 uma cortina de fumaça para o governo Néstor Kirchner? Não necessariamente, ainda que o oficialismo não achasse ruim que se deixasse de falar dos problemas políticos atuais e se começasse a discutir a suposta responsabilidade de Isabelita.

Por trás da vontade política do governo para impulsionar a revisão dos crimes cometidos pelo Estado entre 1973 e 1976 há algo mais que a criação de uma cortina de fumaça.

Tem que haver uma idéia refundadora, vinculada à constituição de um movimento político que supere o peronismo, com um teor mais progressista. Ele apontaria para a opinião pública uma renovação que deixa para trás um dos períodos mais nefastos da história do justicialismo e, inclusive, algumas de suas figuras, as quais não cabe outro rótulo que o de representantes da velha política.

Nenhum funcionário de Kirchner pareceu até agora ter se incomodado com as decisões judiciais. Pelo contrário, em termos eleitorais, enxergam nelas um argumento a mais para tentar seduzir setores médios.

A revisão de nosso passado terá, porém, um limite. Ninguém no governo nacional nem na Justiça pensa que devem ser investigados os crimes cometidos pelos grupos guerrilheiros que atuaram nos anos 1970. Esse limite foi fixado pela Corte Suprema quando, ao se negar a extraditar para a Espanha o membro do ETA Lariz Iriondo, afirmou que qualquer crime, para ser considerado de lesa Humanidade, e, portanto, imprescritível, deve ter contado com a participação do aparato estatal.

FERNANDO LABORDA é jornalista do ¿La Nación¿, que integra o Grupo de Diários América (GDA)