Título: Isabelita é detida na Espanha
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Fonte: O Globo, 13/01/2007, O Mundo, p. 33

Ex-presidente argentina ganha liberdade provisória, mas pode ser extraditada

MADRI

Numa cena que poucos argentinos imaginaram que um dia veriam, a viúva de Juan Domingo Perón, a ex-presidente Isabelita Perón foi detida ontem à noite em sua casa nos arredores de Madri por policiais espanhóis que obedeceram a uma solicitação de um juiz argentino. Ela é acusada de ter iniciado a guerra suja na Argentina, onde cerca de 1.500 pessoas foram mortas no período imediatamente anterior à ditadura militar (1976-1983). Depois de depor diante o juiz Juan del Olmo, da Audiência Nacional, ela foi libertada provisoriamente por não oferecer risco de fuga.

Isabelita, de 75 anos e que governou a Argentina entre a morte de seu marido Perón em julho de 1974 (era fora eleita vice-presidente na chapa) e o golpe militar em março de 1976, deverá agora esperar o pedido de extradição. Ela deverá comparecer ao tribunal a cada 15 dias enquanto correrem os trâmites legais. Ela não deu qualquer declaração, mas parentes das vítimas da perseguição do governo supostamente democrático da Argentina sob Isabelita comemoraram.

¿ É algo extraordinário que isso aconteça depois de tantos anos de impunidade na Argentina ¿ disse Carlos Slepoy, que representa um grupo de familiares de vítimas.

A viúva de Perón, que vivia na Espanha desde 1981 e que praticamente não tinha mais participação na política argentina, teve a extradição pedida pelo juiz federal Raúl Acosta, da província argentina de Mendoza. Ele acusa Isabelita de ter tido participação no desaparecimento do jovem Héctor Aldo Fagetti Gallego em 25 de fevereiro de 1976, um mês antes do golpe militar.

Segundo o juiz Acosta, ela está sendo acusada por este crime por ser responsável pelos decretos que deram às Forças Armadas a permissão de ¿aniquilar os grupos subversivos¿, atitude que teria aberto as portas para o início do que o magistrado considera terem sido práticas de terrorismo de Estado. Por tal tipo de ação ser considerado crime contra a Humanidade na Argentina, eles não prescrevem.

Os decretos foram promulgados em 1975, na metade do governo de Isabelita. Porém, ela não assinou os documentos, mas o presidente do Senado, o presidente em exercício Ítalo Luder, pois a viúva de Perón estava numa breve licença médica. Ainda assim, o juiz Acosta afirma ter recolhido provas de que ela participou de todo o processo decisório. Foi em seu governo que foi criado a Aliança Anticomunista Argentina (Tríplice A), coordenada pelo ministro do Bem Estar Social José López Rega.

Os decretos serviram como justificativa pela ditadura militar para aprofundar a repressão, que, entre mortos e desaparecidos, fez entre 20 mil e 30 mil vítimas.

Kirchner diz que foi preso no governo de Isabelita

Não houve qualquer reação contrária ao pedido de prisão no governo argentino. Pelo contrário, o presidente Néstor Kirchner afirmou que não deve haver qualquer ação que impeça a descoberta da verdade. Seu governo está investigando milhares de assassinatos ocorridos durante a ditadura, mas até a semana passada não haviam sido abertos processos para descobrir os autores de crimes praticados pelo Estado antes do golpe de 1976.

¿ Estive preso duas durante o governo da senhora de Perón ¿ disse o presidente Kirchner ao jornal argentino ¿Clarín¿. ¿ Nós queremos a reconciliação, mas com verdade e sem impunidade.

O presidente declarou que as novas investigações sobre o período que antecedeu a ditadura não afetarão os processos contra os militares, que sempre alegaram que apenas seguiram as leis já existentes criadas pelo regime democraticamente eleito de Perón e sua viúva.

¿ Se os juízes consideram que houve terrorismo de Estado desde antes do golpe militar de 1976, os responsáveis também deverão ser julgados. Mas se alguém pensa que, com isso, podem frear os julgamentos por violações dos direitos humanos na ditadura, estão totalmente enganados.

O ministro do Interior, Aníbal Fernández, também defendeu a decisão do juiz argentino, acrescentando que ela ¿não significa animosidade contra ninguém¿.

O prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel defendeu a investigação dos crimes cometidos no governo Perón.

¿ Temos que chegar no problema em si, descobrir como foi gerado o terrorismo de Estado. Isso vinha sendo armado desde o governo de Perón ¿ disse Esquivel.