Título: O serviço público está aquém do que a população brasileira merece
Autor: Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 14/01/2007, O País, p. 4

Vice de Aécio e consultor diz que cargos em comissão emperram estados

Servidor público do estado há 22 anos, o governador em exercício de Minas Gerais, Antonio Augusto Anastasia, virou consultor informal dos governos de Alagoas, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Goiás. Todos de olho no choque de gestão iniciado em Minas há quatro anos. Ex-secretário de Planejamento e maestro do plano mineiro, Anastasia vê na distribuição política de cargos um nó das administrações no país.

Em que medida os critérios de distribuição de cargos comissionados comprometem a eficiência da máquina pública?

ANTONIO AUGUSTO ANASTASIA: Esse é um problema nacional, de séculos. Está no âmbito da administração federal, dos estados e dos municípios. Lamentavelmente, não temos uma burocracia estável no Brasil. Isso nos leva à instabilidade, à falta de continuidade de programas. Há problemas mais graves, até, de uma certa permissividade, porque não há o espírito do servidor público de carreira. É preciso que tenhamos escolas de governo, qualificando servidores concursados, preparando-os tecnicamente e permitindo que esses servidores tenham as oportunidades dos cargos em comissão. Fizemos aqui em Minas. Isso existe na esfera federal, mas ainda de forma muito tímida.

Qual tem sido o papel do governo federal nesse processo?

ANASTASIA: Não há varinha mágica, mas é possível modificar essa cultura. No caso brasileiro, o ideal seria que o governo federal capitaneasse essas iniciativas, até pela força que tem a União na federação. Lamentavelmente, não é o que temos visto nos últimos quatro anos. Os estados até que estão sendo criativos. Na época da campanha, houve um falso debate em que se privilegiou a discussão sobre a inclusão social em detrimento da gestão. Uma coisa não exclui a outra. Não há inclusão plena sem uma boa gestão.

A profissionalização pode criar uma blindagem contra corrupção no setor público?

ANASTASIA: O sentimento da sociedade brasileira em relação ao servidor público não anda bom. E é lamentável que isso ocorra. Pessoas das universidades, que têm preparo e vocação, quando vêem esse quadro ficam desanimadas, o que é grave. Agora, é intolerável qualquer tipo de procedimento que envolva quebra de decoro. Quanto mais estabelecermos metas, acompanharmos os resultados e adotarmos critérios firmes de controle, isso tende a diminuir. O serviço público está muito aquém daquilo que a população brasileira merece. Temos ainda uma má qualidade fiscal: se gasta muito por um serviço que não é de qualidade. Não é fácil reverter isso. É um processo cultural. Estudos demonstram que o que se gasta per capita em alguns setores do serviço público no Brasil é mais do que na Europa. Só que por um serviço ruim.

E por que chegamos a esse ponto?

ANASTASIA: É importante colocarmos em pauta a gestão pública. Ainda não está. Os governos sempre privilegiaram a pauta econômica. De modo geral, é o governo federal que conduz os grandes temas. A questão econômica, durante décadas, foi prioritária. E o serviço público foi se degradando.

A máquina administrativa está inchada?

ANASTASIA: As estatísticas internacionais mostram que o número de servidor per capita não é alto. O que existe é uma má distribuição. Muitas vezes eles não estão desempenhando funções adequadas. Muitas vezes, com funções meio, funções administrativas, e não funções de ponta, de lidar com o público.

Alguns governadores anunciaram cortes de pessoal nos primeiros dias de governo. Essas medidas dão resultado?

ANASTASIA: Não tenho informações sobre as circunstâncias. Mas cada estado e o governo federal têm peculiaridades que demandam soluções específicas. É natural que o governo, quando se inicie, tenha uma estrutura de governo compatível com o que o governador anunciou na campanha. A moldagem inicial do governo é praxe necessária. Em Minas ficou claro que o processo é de planejamento muito meticuloso desde a transição. As medidas foram todas pensadas articuladamente. Tudo para que, quando o estado retomasse o trilho, tivesse condição de fazer investimento. É o que chamamos de duplo planejamento. Voltado para o corte e para os resultados. Ao mesmo tempo que tomam medidas emergenciais, tomam medidas a médio e longo prazo.

Qual foi o ponto central do ajuste fiscal em Minas?

ANASTASIA: O nosso ajuste foi baseado no crescimento firme da receita de ICMS, com o cumprimento de metas por superintendências e sem acréscimo de alíquota de ICMS. Houve uma articulação da cobrança. Em quatro anos, subiu 73%, acima da região Sudeste. E, depois de décadas, ultrapassamos o Rio de Janeiro. Para chegar ao déficit zero, reduzimos o que chamo de ¿custeio ruim¿ do estado, que são gastos com viagem, com telefones. Diminuímos também o percentual de gasto com pessoal, de 72% para 60%. Descobrimos, na época, que a folha de pagamento não era centralizada. Fazemos hoje auditoria permanente.

Qual era o principal problema do estado e qual o próximo passo?

ANASTASIA: O problema central era o atraso do pagamento do servidor público. E, ao mesmo tempo, uma espécie de paralisia das atividades produtivas. O que aconteceu é que Minas Gerais atravessou crise muito grave há quatro anos. Então uma série de medidas que os governadores estão tomando hoje nós tomamos há quatro anos O desânimo impediu a atração de novos investimentos. Agora nosso empenho é em torno de uma questão obsessiva: aprimorar o resultado da ação do estado.