Título: Cerco aos sinais de corrupção
Autor: Araújo, Vera
Fonte: O Globo, 14/01/2007, Rio, p. 14

Secretário pretende exigir declaração de bens de policiais e fiscalizar a evolução do patrimônio

Eo exemplo partiu da própria Secretaria estadual de Segurança: o novo secretário, o delegado federal José Mariano Beltrame, de 49 anos, ao tomar posse no último dia 2, entregou ao governador Sérgio Cabral sua declaração de bens, onde constam uma casa financiada e um carro como patrimônio. Amparado por um regulamento interno da Secretaria de Segurança, que prevê a apresentação da declaração de bens de integrantes das polícias Civil e Militar, Beltrame pretende exigir o documento de todos os policiais, além de fazer um acompanhamento da evolução patrimonial deles. Ele pediu à sua assessoria jurídica que estudasse a legislação existente sobre o assunto.

¿ Atualmente, esse regulamento não é seguido à risca, mas pretendemos ser rigorosos na exigência dessas declarações de bens. Como delegado da Polícia Federal, apresento anualmente a evolução do meu patrimônio. Todos devem fazer o mesmo, para demonstrar transparência ¿ disse o secretário.

Medida tentada antes não emplacou

A idéia de Beltrame é justamente levantar os casos de policiais com patrimônio incompatível com a renda.

¿ A corrupção policial para mim é um desvio de conduta muito sério. É um crime e como tal precisa ser combatido. Não podemos banalizá-lo. Temos que fazer uma investigação séria quando, efetivamente, se tem indícios de que a corrupção chegou à materialidade. Sinal de riqueza é um deles ¿ comentou.

Não é incomum observar, nas imediações de delegacias e quartéis, policiais que chegam ao serviço com carros do ano ou importados, apesar dos baixos salários.

Não é a primeira vez que um secretário de Segurança tenta punir aos maus policiais com base nos sinais de riqueza. Em novembro de 2003, quando o cargo era ocupado pelo ex-governador Anthony Garotinho, ele anunciou a medida como uma ofensiva para atacar os policiais corruptos, batizando-a de Operação Transparência.

Numa reunião com 140 delegados e 45 comandantes de batalhão, Garotinho determinou que eles não fizessem mais vista grossa aos policiais que apresentassem sinais de riqueza incompatível com seus salários. O então secretário de Segurança assinou uma resolução, com sete artigos, para controlar a conduta ética dos policiais, cobrando a declaração de bens, entre outras providências. Garotinho tentou, mas não conseguiu fazer com que a medida emplacasse.

Em maio de 1993, um levantamento feito pelo GLOBO revelou que delegados da cúpula da Secretaria de Segurança do Rio haviam acumulado um patrimônio avaliado em cerca de US$5 milhões, o que demonstra a necessidade de se investigar os bens dos policiais. No fim do ano passado, a Polícia Federal, a partir da Operação Gladiador ¿ que resultou na prisão de inspetores da Polícia Civil conhecidos como ¿inhos¿ ¿ descobriu que policiais mantinham um padrão de vida incompatível com seus salários. Um deles tem três imóveis em Jacarepaguá, inclusive uma casa de três andares com campo de futebol, churrasqueira, sauna e piscina.

Na opinião de Beltrame, é preciso abrir várias frentes de combate ao crime. Se, de um lado, o secretário não vai admitir a corrupção, investigando o patrimônio e a possível ligação de maus policiais com a máfia dos caça-níqueis, por outro não se pode abandonar o trabalho de inteligência sobre o tráfico. Atualmente, com a transferência dos 12 principais integrantes de facções criminosas do Rio para o presídio federal de Catanduvas (PR), a Subsecretaria de Inteligência já descobriu que os chefes do tráfico no Morro do Pavão-Pavãozinho e na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, vêm se destacando na criminalidade.

¿ Acho que combater o crime no Rio é mais difícil do que nos demais estados. Viajei por todos os estados do Brasil. Em São Paulo, por exemplo, o crime é organizado. O criminoso de lá é mais profissional do que o daqui. Aqui, o criminoso é imprevisível e desorganizado. Além disso, há muitas favelas. Só na área da Tijuca, há 19 morros ¿ diz o secretário.

Beltrame quer novo sistema de escuta

Com experiência na área de inteligência, Beltrame quer adquirir para a secretaria um sistema de interceptação telefônica moderno e eficiente, semelhante ao que ajudou a implantar na Polícia Federal. Trata-se do Sistema Guardião, aparelho de interceptação que monitora duas mil linhas telefônicas simultaneamente. Ele é capaz de registrar, inclusive, a identificação dos policiais que fizeram as gravações ou, posteriormente, abriram os arquivos digitais dessas escutas. É o chamado sistema auditado, que dá mais autenticidade ao material gravado que será encaminhado à Justiça. Para operar o Sistema Guardião, agentes vão fazer o curso de capacitação em São Paulo.

¿ Se queremos partir para a investigação séria, inteligente, temos que reunir provas suficientes para que não haja prisões sem fundamentação. Não adianta eu prender o bandido hoje e, daqui a alguns meses, prendê-lo de novo, muitas vezes pelo mesmo crime ¿ disse Beltrame.

Os projetos emergenciais para revitalizar a polícia incluem ainda a compra de 120 carros.

Embora saiba que sua secretaria é vidraça, principalmente por causa dos ataques ocorridos no fim do ano e do arrastão da madrugada da última sexta-feira, na entrada do Túnel Rebouças, Beltrame não teme críticas.

¿ De futebol e segurança, todo mundo entende um pouco ¿ brincou o secretário.