Título: Calote recorde entre jovens
Autor: Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 14/01/2007, Economia, p. 31

Inadimplência no cartão e no cheque atinge 41% das pessoas de 18 a 30 anos

Um dos filões do mercado financeiro, os jovens mostram que está cada vez mais difícil manter as contas em dia. O desemprego em níveis elevados e a tentação de gastar no cartão com a crescente oferta de crédito dos bancos fizeram a inadimplência entre as pessoas de 18 a 30 anos aumentar 14% nos dois últimos anos. Em 2006, o Calote desse grupo chegou ao nível recorde de 41% dos quase 40 milhões de jovens, contra 36% em 2005. Ou seja, o número de endividados cresceu de 14,4 milhões para 16,4 milhões. E o pior, 10% não pretendem quitar a dívida este ano.

Os dados fazem parte do levantamento feito a pedido do GLOBO pelo economista Marcos Crivelaro, professor da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap). Para 2007, apesar de analistas apontarem um índice de inadimplência geral estável - de 7,5% -, o Calote entre os jovens deve atingir entre 43% e 44%, segundo Crivelaro. As compras que se convertem em dor de cabeça são fortemente sentidas no cartão de crédito (responsável por 85% do Calote) e nos cheques sem fundos (15%).

Até os 20 anos, a inadimplência está concentrada na classe C. De 21 a 30 anos, o Calote afeta mais as classes C, D e E. Segundo Crivelaro, os principais gastos estão em vestuário, lazer e itens eletroeletrônicos.

- O descontrole financeiro de quem está debutando no mercado financeiro, o desemprego e a oferta de cartões com altos limites de crédito, sem a necessidade de comprovação de renda, impulsionam a inadimplência. O nível de endividamento está chegando ao teto. Os jovens das classes A e B são, geralmente, socorridos pelos pais. No entanto, todos entram nos juros rotativos do cartão de crédito - explicou Crivelaro.

A tentação maior é do cheque especial

Dados do Telecheque também apontam alta de 14% no número de cheques "voadores" entre 2005 e 2006. Ano passado, 41% das pessoas entre 21 e 30 anos começaram o ano com dívidas. Segundo a pesquisa, 40% dos entrevistados alegaram descontrole financeiro. Com isso, poucos conseguiram poupar. Levantamento do Banco do Brasil, com 1,1 milhão de jovens correntistas, revela que 60% não têm reservas financeiras.

Na avaliação de José Antônio Praxedes, vice-presidente do Telecheque, os bancos oferecem todos os produtos para os jovens, como o cheque especial, que tem o maior peso no Calote e juros de 150,70% ao ano, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças e Contabilidade (Anefac). Os endividados têm renda média entre R$350 e R$1.050. Os segmentos que mais sofreram impacto foram vestuário (22%) e lazer (28%). Os valores médios das dívidas variam entre R$50 e R$399.

- Com a massificação do crédito consignado, partiu-se para novos públicos. Os jovens ainda não têm controle emocional para ter crédito farto. Entre 11% deles, o desemprego é mencionado como principal motivo do Calote. Menor, claro, que o descontrole financeiro, com 40%. A pesquisa, feita no país, retrata principalmente os jovens que vivem no Rio e em São Paulo - disse Praxedes.

O desemprego enfrentado entre as pessoas de 18 a 24 anos passou de 20,9%, até novembro de 2005, para 21,2%, no mesmo período do ano passado. Segundo Marcelo de Ávila, economista e pesquisador do Instituto de Economia Aplicada (Ipea), os números são 5,8 vezes maiores que a desocupação entre as pessoas acima de 50 anos e 2,8 vezes maiores que a das pessoas de 25 a 49 anos.

- Apesar da criação de mais vagas e do aumento de renda em 2006, houve a entrada de muitas pessoas jovens na População Econômica Ativa. A inadimplência entre os jovens é reflexo da alta taxa de desemprego que eles enfrentam - apontou Ávila.

Segundo Araken de Carvalho Novaes, presidente do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), a entrada de mais jovens no mercado financeiro - crescimento de 10% em 2006, segundo o BB - foi a responsável pela alta de 23,67% no número de inclusões no banco de dados de devedores.

- Os registros feitos ao SPC frente a 2005 subiram 50% em março, julho e agosto. Os bancos passaram a liberar crédito e entregar cheques com maior facilidade aos jovens para lucrar mais - disse Novaes.

O reflexo da abundância de crédito é sentido pelo designer Phellipe Pereira Rangel, de 25 anos, que gasta mensalmente o dobro do salário. Suas principais despesas concentram-se em entretenimento e alimentação. Para evitar mais contas atrasadas, o jovem cortou dois de seus três cartões de crédito no ano passado:

- Tive de cortar os cartões para reduzir gastos. Já atrasei muita conta. Às vezes, deixo juntar algumas. Só não deixo atrasar a TV a cabo.

Miguel José Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Anefac, acrescenta que a maior parte dos registros negativos é entre os jovens devido ao impulso no consumo. Para 2007, Crivelaro lembra que a situação tende a se agravar, pois o reajuste do salário mínimo será menor que o de 2006.