Título: Medidas fiscais também têm um lado perverso
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 14/01/2007, Economia, p. 33

Para especialistas, novas regras dão previsibilidade de gastos, mas acabam engessando as contas públicas

BRASÍLIA. As Medidas fiscais incluídas no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) vão permitir que o governo tenha maior previsibilidade sobre seus gastos nos próximos anos, mas têm um lado perverso, segundo economistas ouvidos pelo GLOBO: engessam o Orçamento e não tratam de pontos essenciais para a melhoria das contas públicas. Entre as ações está, por exemplo, a definição de uma regra para o reajuste do funcionalismo público nas três esferas de poder: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Esses aumentos seriam feitos com base na inflação medida pelo INPC mais 1,5%. O problema é que, além de se tratar de uma indexação - algo considerando ruim para um país que viveu a hiperinflação - a medida cria para o governo o compromisso de dar aumentos reais mesmo em momentos em que a economia esteja desacelerada.

- Hoje, o governo pode simplesmente não dar aumento aos funcionários públicos quando há algum desequilíbrio. Mas, com a nova regra, ele não só terá que dar a inflação, mas se compromete com um aumento real de 1,5%. E o que acontece se, por acaso, houver recessão num ano? O reajuste vai ser menor que a inflação? - destaca o economista-chefe do ABC Brasil, Luís Otávio Leal.

Até 2010, mínimo terá INPC mais variação real do PIB

Já Paulo Nogueira Batista Jr., economista e professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), destaca que uma regra geral pode acabar trazendo distorções na hora de reajustar os salários das diferenciadas carreiras do funcionalismo público:

- O fato de haver regras de reajuste para o funcionalismo público não é ruim, mas isso engessa o governo. Além disso, é preciso ver se carreiras tão diferenciadas podem ter o mesmo reajuste.

O PAC também inclui a nova política de valorização do salário-mínimo. Ela prevê que os reajustes até 2010 sejam feitos com base no INPC mais o crescimento real do último PIB consolidado. As despesas correntes do Executivo também deverão ganhar uma regra, para fixar um teto de expansão. Essas ações também contribuirão para deixar o governo de mãos atadas, em caso de necessidade de um ajuste fiscal mais forte.

- Estes movimentos (política do mínimo e reajuste do funcionalismo) são realmente dois passos em direção de uma nova indexação, agora centrada no lado dos gastos do governo. Isto é muito perigoso, pois a questão central a ser enfrentada nos próximos anos é a redução nominal dos gastos para permitir que, junto com o crescimento do PIB, haja espaço para uma redução da carga tributária - pondera o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações.

Na direção contrária à redução da carga fiscal

Para ele, a definição de parâmetros fixos para os reajustes do mínimo e do funcionalismo, na medida em que representam gastos elevados e permanentes para o governo, operam na direção contrária a este movimento de buscar espaço para que a União possa abrir mão de receitas, reduzindo o peso dos impostos.

- Muitos dizem que o gasto com funcionalismo não cresceu nos últimos anos, mas a pergunta real é: gastar 5% do PIB só com funcionários públicos federais e 13% do PIB com previdência é pouco ou é muito? Não tenho dúvida de que é muito na situação atual do Brasil - pondera Mendonça de Barros, acrescentando:

- Com esta política, estamos fadados a ter crescimento econômico medíocre, certamente inferior a 3,5% ao ano ou mesmo a 3% ao ano.

Já o economista e ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira afirma que a indexação dos salários não representa o risco de volta de um processo inflacionário. Mas critica a medida:

- O que estou vendo é que esse governo não sabe o que fazer para tirar o Brasil do baixo crescimento. A equipe econômica deveria estar trabalhando para desindexar tarifas públicas e títulos do governo que hoje são corrigidos pela Selic e não indo na direção contrária.

Bresser também destaca que o governo deveria estar preocupado em tratar de temas como o corte de despesas, especialmente na Previdência Social, e em fazer um ajuste fiscal mais robusto. Essa também é a avaliação do economista-chefe do West LB, Roberto Padovani.

- A política fiscal atual é suficiente para fazer com que a relação dívida/PIB (principal indicador macroeconômico do país) caia, mas essa convergência poderia ser mais rápida com um ajuste mais forte. Isso poderia antecipar o corte das taxas de juros e acelerar o crescimento da economia - avalia Padovani, acrescentando:

- As regras (para o funcionalismo e para o salário-mínimo) são positivas como algo que dá previsibilidade sobre as despesas, mas elas criam uma rigidez que, em momentos de desajuste na economia, podem trazer problemas para o governo.

A economista-chefe para América Latina do ABN Amro, Zeina Latif, destaca que o governo está perdendo a chance de conter os gastos públicos. Uma forma de fazer isso seria, por exemplo, desvincular o salário-mínimo da Previdência Social.

- O governo está perdendo a chance de caminhar mais. A desvinculação daria um alívio nas despesas, pois o reajuste do salário-mínimo não teria impacto direto nessas contas - destacou ela.

Especialista defende apenas correção monetária

Segundo Mendonça de Barros, outras ações que deveriam estar no topo da lista de prioridades da equipe econômica, além do corte de gastos, seriam o aumento da idade para aposentadoria e a correção do salário-mínimo apenas pela inflação. Luís Otávio Leal também defende como regra apenas a correção monetária:

- O governo poderia definir em lei que os trabalhadores devem ter a reposição da inflação em seus reajustes. Neste caso, se um aumento maior pudesse ser feito, ele seria, mas não estaria garantido. Desta forma, haveria menos rigidez fiscal.