Título: Mercosul: Chávez pode frear acordo com EUA
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 14/01/2007, Economia, p. 34

Anúncio de socialismo na Venezuela, que afetará acerto do bloco com americanos, deve dominar encontro no Rio

BRASÍLIA. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ofuscará seus colegas na reunião de chefes de Estado do Mercosul, marcada para quinta e sexta-feira desta semana, no Rio. A onda socialista de Chávez deve dominar o encontro. Entre os sócios do bloco há uma expectativa sombria quanto ao futuro. Ao anunciar que implementaria o socialismo em seu país, com poderes para governar por decreto, Chávez aguçou as tensões com os americanos, o que pode minar qualquer expectativa de acordo de livre comércio entre o Mercosul e os Estados Unidos.

- Estamos preocupados que atitudes de Chávez na nacionalização aumentem a tensão entre Venezuela e EUA. O Mercosul sempre teve interesse em negociar com os americanos - afirmou uma graduada fonte do Itamaraty sobre um acordo que, para o Brasil, estaria de bom tamanho em substituição à Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

"Chávez é louco e pode causar estragos", diz consultor

Se, na cúpula anterior, em Córdoba, na Argentina, Chávez se destacou por estar participando pela primeira vez de uma reunião do bloco como sócio pleno, agora as atenções estarão novamente voltadas para ele, principalmente por causa da falta de detalhes sobre como se dará a nacionalização dos setores de energia e telecomunicações no país. A única sinalização que chegou na última sexta-feira ao governo é que os investimentos brasileiros não deverão ser afetados.

- O grande risco do projeto de Chávez é sua personificação. Ele não pode se tornar portador de uma visão de mundo messiânica e utópica, o que não seria bom para a região - disse o professor Virgílio Arraes, presidente do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo ele, a Venezuela manterá a credibilidade junto à comunidade internacional se tudo for feito não só em nome de Chávez, mas de um conjunto maior, com partidos, sindicatos e segmentos da sociedade. Caso contrário, há risco de autoritarismo.

- Há interesse energético estratégico na Venezuela - acrescenta Arraes.

O consultor internacional Adimar Schievelbein tem um diagnóstico mais taxativo:

- O Chávez é louco. Fez a cabeça de Morales (Evo Morales, presidente da Bolívia) para adotar a nacionalização, critica publicamente o Mercosul e pode causar mais estragos.

Fontes do governo brasileiro afirmam que a cúpula do Rio poderá trazer, ainda, como novidade, declarações dos presidentes da Bolívia e do Equador, Rafael Correa, sobre a intenção de também serem sócios plenos do Mercosul. À primeira vista, a negociação com Morales será difícil, porque ele quer um tratamento diferenciado, com exceções, como a permanência na Comunidade Andina.

- O que nos preocupa é que Venezuela e Bolívia estão mais interessadas em questões políticas do que comerciais, e isso pode nos causar problemas futuros - comenta uma fonte da área diplomática.

Distanciamento de sócios menores terá destaque

Não bastassem a nova surpresa de Chávez e as negociações com Bolívia e Equador, os problemas do bloco se proliferam. A briga entre Argentina e Uruguai por causa das fábricas de celulose (papeleiras) que estão sendo instaladas em território uruguaio é considerada grave pelo governo brasileiro, que até agora tem evitado interferir. Os presidentes Néstor Kirchner e Tabaré Vázquez nem se falam mais e fazem de tudo para não se encontrarem.

As assimetrias econômicas, que vêm distanciando Uruguai e Paraguai do bloco, terão destaque. O Brasil está disposto a fazer concessões, como a redução para 30%, no caso do Uruguai, e 25%, para o Paraguai, da regra do índice de regionalização. No Mercosul, 60% do produto final devem ser de insumos produzidos na região.

Ainda sem consenso com os argentinos, os brasileiros também querem antecipar o acordo que permite o compartilhamento da receita aduaneira na cobrança de impostos de produtos importados de países que não fazem parte do Mercosul. Com o fim da dupla cobrança da TEC - se um produto é importado pelo Paraguai, é tributado e, se vendido para o Brasil, tem novamente a taxação - os paraguaios tendem a perder arrecadação. O recolhimento com as alíquotas corresponde a 30% de sua receita total.

Parceiros devem pedir compensações ao Brasil

Além disso, os sócios do Mercosul não se entendem quando o tema é a implementação dos projetos a serem financiados pelo Fundo de Convergência Estrutural (Focen), cujo objetivo é permitir o desenvolvimento dos países. O Paraguai, por exemplo, não concorda com o repasse de recursos para a Bolívia no programa de combate à aftosa. A Argentina, por sua vez, vetou a expansão de uma estrada no Uruguai. Motivo: a obra é para o transporte de madeira para as fábricas de celulose.

O crescimento do superávit comercial do Brasil com os países do Mercosul também entrará na pauta. Somente com a Argentina, o Brasil teve um saldo de US$3,657 bilhões, como resultado de US$11,714 bilhões em exportações - que cresceram 19,6% no ano passado, em relação a 2005 - e US$ 8,057 bilhões em importações.

Argentinos, paraguaios e uruguaios querem vender mais para o mercado brasileiro e devem pedir compensações. No Mercosul, as vendas do Brasil totalizaram US$13,951 bilhões e as importações US$8,971 bilhões, resultando num superávit de US$4,980 bilhões a favor do Brasil.