Título: A escalada da guerra entre governo e mídia
Autor: Azevedo, Cristina
Fonte: O Globo, 16/01/2007, O Mundo, p. 28

Profissionais acusam Caracas de criar leis e incitar simpatizantes contra órgãos de imprensa

A delicada relação entre o governo de Hugo Chávez e os meios de comunicação venezuelanos começou a se deteriorar logo após a sua chegada ao poder, mas entrou numa vertiginosa rota de colisão em 2002, durante o golpe de Estado que afastou o presidente brevemente do governo.

Durante os oito anos de seu governo, ocorreram cerca de mil agressões contra jornalistas, segundo meios de comunicação do país; uma Lei de Responsabilidade Social para Rádios e Televisões foi criada; e críticas de organizações internacionais, como Repórteres sem Fronteiras e a Sociedade Interamericana de Imprensa, repetiram-se, juntando-se a protestos de grupos de oposição.

TVs tiradas do ar e cerco de simpatizantes a jornal

Os problemas começaram antes mesmo do golpe frustrado. Em janeiro de 2002, "El Nacional", um dos principais jornais do país, acusou Chávez de incitar correligionários contra os críticos do governo. O jornal fora cercado na noite do dia 7 daquele mês por um grupo de pessoas que, batendo panelas e com cartazes como "Nacional mente", impediram durante quase quatro horas que funcionários deixassem o prédio. Naquele mesmo ano, a Globovisión - emissora de TV que transmite notícias 24 horas - foi por cinco vezes cercada por manifestantes que ameaçavam invadi-la. Uma emissora do interior teve menos sorte e seu prédio foi incendiado.

Momento antes do golpe, quando emissoras mostravam uma multidão marchando em direção ao palácio presidencial, exigindo a renúncia do presidente, Chávez acusou a oposição de gerar pânico e anunciou a suspensão dos sinais de várias emissoras - acusando explicitamente a Radio Caracas Televisión, a Globovisión e a Televen de articularem um plano para desestabilizar o governo. Globovisión, CMT e Televen ficaram fora do ar por vários minutos antes de voltarem a transmitir por meio de satélite ou cabo. RCTV e Venevisión usaram meios alternativos desde o início e permaneceram no ar.

Durante os confrontos nas ruas de Caracas entre simpatizantes de Chávez e opositores, o fotógrafo Jorge Tortoza, do jornal "Diario 2001", foi morto com um tiro na cabeça disparado por um homem em traje civil.

No ano seguinte, a Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), agência que regula a mídia no país, apreendeu equipamentos e cortou os cabos de transmissão da Globovisión, em 3 de outubro de 2003. A direção da emissora - que conseguiu permanecer no ar - acusou o governo de tentar interromper sua transmissão. O Ministério da Informação, no entanto, disse que tudo foi parte de um procedimento legal porque a emissora estava operando em freqüências ilegais.

O controle sobre os meios de comunicação se intensificou em 2004, com a aprovação de algumas leis. Acusando parte dos principais meios de comunicação do país de terem apoiado o golpe, Chávez aprovou algumas iniciativas como, em março, a reforma do Código Penal, que estabelece, entre outras condenações, de seis a 30 meses de prisão para quem "ofender de maneira grave" o presidente da República.

Em dezembro do mesmo ano, o Congresso aprovou a Lei de Responsabilidade Social - que foi duramente criticada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela organização Human Rights Watch. Além disso, Chávez ampliou de 20 para 32 o número de membros no Supremo Tribunal de Justiça - manobra que, segundo críticos, teria a intenção de reforçar seu controle sobre opositores. Uma das vítimas dessas leis foi a jornalista Patricia Poleo, editora do jornal "El Nuevo País", que foi condenada a seis meses de prisão por difamar o ministro do Interior, Jesse Chacón.

Algumas medidas indiretas também são criticadas por empresas privadas, como destinadas a prejudicar seu funcionamento. Donos de veículos de comunicação se queixam de que em 2005 foram criados sete novos impostos às emissoras de rádio e TV. Além disso, as redes contrárias ao governo teriam dificuldades em conseguir contratos de propaganda oficiais.

Uma relação turbulenta

O fim da concessão da RCTV é a medida mais recente na guerra entre o governo e os meios de comunicação.

JANEIRO DE 2002: O jornal "El Nacional" é cercado por simpatizantes do presidente, que ameaçam invadi-lo. O jornal acusou Chávez de incitar ações contra opositores. Naquele mesmo início de ano, Globovisión e Televen também são cercadas. Uma emissora do interior sofre um incêndio.

ABRIL DE 2002: O governo suspende sinais de emissoras como RCTV, Globovisión e Televen. Algumas ficam fora do ar por vários minutos. Um fotógrafo do "Diario 2001" é morto por um tiro durante confrontos em Caracas.

2004: O Congresso aprova a reforma do Código Penal e a Lei de Responsabilidade Social para Rádios e TVs, que aumentam o controle sobre os meios de comunicação. Uma jornalista é condenada a seis meses de prisão por difamação.