Título: Festrival de contradições
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 17/01/2007, O País, p. 4
Nunca as contradições de nossos partidos políticos estiveram tão explícitas quanto nesta disputa pela presidência da Câmara. A escolha do deputado tucano Gustavo Fruet para candidato do chamado "grupo independente" foi delicadamente rejeitada pelo PSOL, sob a alegação de que disputam a mesma base social e política, o eleitorado de esquerda, com o PT e o PCdoB, e poderiam ser acusados de "fazer o jogo da direita". O próprio Fruet assumiu a candidatura "independente" com uma ressalva: precisa ser referendado pela bancada do PSDB, que oficialmente já se definiu pelo apoio à candidatura do deputado petista Arlindo Chinaglia. E o atual presidente da Câmara, Aldo Rebelo, do PCdoB, eterno parceiro político do PT, encarna a cada dia mais a alternativa oposicionista ao próprio PT e até mesmo ao presidente Lula, de quem já foi coordenador político justamente para contrabalançar o poder petista no governo. Com o apoio do PFL.
O deputado Chico Alencar diz que a posição do "pequeno PSOL" foi bem entendida, mas nega que ela signifique uma adesão automática à candidatura de Aldo Rebelo. Os três votos do PSOL, que não representam muito em termos numéricos mas têm seu peso simbólico, oficialmente não irão para nenhum dos três candidatos, mas, no escurinho da cabine da urna secreta, o "grupo independente" espera recebê-los, pois, na definição de Fernando Gabeira, o partido deve se sentir também responsável pelo movimento, que pode ganhar uma força consistente se o PSDB, como se espera, aderir à candidatura Fruet.
O raciocínio de Gabeira é que o movimento, apoiando Gustavo Fruet, do PSDB, começa com uma base de quase 60 deputados, pois ontem 24 deputados tucanos o apoiaram, e ele tem todas as condições de vencer dentro da bancada do PSDB. "Se fizermos uma investida sobre os novos, que não estão tão influenciados, podemos levar a disputa para o segundo turno", aposta ele, para depois despejar os votos em Aldo Rebelo.
Eles contam também com a imprevisibilidade da Câmara, e esse caldeirão está em ebulição. Havia ontem mais repórteres do que deputados do "bloco independente" na sala de reunião onde foi lançada a candidatura da terceira via. Mas, para Gabeira, em vez de significar fraqueza do movimento, o interesse dos jornalistas mostra que "a sociedade está esperando alguma definição".
Para ele, o que está em jogo é a independência do Legislativo, e os novos deputados serão confrontados com dados como o que mostrou o trabalho do cientista político Sérgio Abranches, analisado aqui na coluna no fim de semana: de cada dez projetos, sete vêm do Executivo, e as medidas provisórias trancam a pauta do Legislativo, fazendo-o refém do Executivo. O PSOL incorporou aos pontos que quer ver debatidos pela futura Mesa da Câmara os dados da pesquisa de Abranches sobre medidas provisórias.
Gabeira diz que se os novos deputados "têm sonhos, têm esperanças, vão ter que deixá-los na porta se a gente não vencer". Gabeira vê também como decisivo para uma reviravolta na eleição da presidência da Câmara, que no momento está francamente favorável ao candidato petista Arlindo Chinaglia, o sentimento de que é preciso realizar a "reconstrução das pontes com a sociedade".
O grande divisor de águas nessa disputa será a posição do PSDB, que tem que decidir se é possível fazer acordos pontuais dentro da burocracia dos legislativos sem perder a identidade de oposição. Ou, no limite, se há espaço político para uma aproximação com o PT para além das negociações pontuais envolvendo interesses regionais.
A cada movimento como esse de apoio ao candidato petista, mais perde sua identidade o PSDB, que corre o risco de se transformar em um PMDB, obedecendo a lógicas regionais dos principais líderes, a começar pelo presidente do partido, senador Tasso Jereissati, que insiste em afirmar que deve satisfações apenas ao eleitorado do Ceará.
O PSDB cearense ligado a ele participará do governo do PSB, e o resto da bancada, liderada pelo ex-governador Lúcio Alcântara, simplesmente deixará o partido. Na Bahia, o partido, liderado pelo deputado Jutahy Magalhães Junior, está unido ao PT pelo interesse comum de derrotar o "carlismo".
Os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas, Aécio Neves, atêm-se às suas lógicas locais para se fortalecerem mais adiante na disputa pela indicação de candidato a presidente. O secretário-geral do partido, Eduardo Paes, apoiou o candidato do PMDB ao governo do Estado do Rio e hoje é secretário de Esportes de Sérgio Cabral, saindo do cargo partidário.
Como se viu pela reação do PSOL, saído das entranhas do PT, o PSDB está definitivamente marcado por esse grupo político "de esquerda" como "de direita". Os tucanos se vêem, assim, encurralados no cenário político, por não assumirem com nitidez seu papel dentro de uma sociedade moderna. Não querem se identificar com a direita, função exercida sem nenhum tipo de escrúpulos pelo PFL, mas também não são vistos como de esquerda por seus parceiros políticos, que têm interesse em isolá-lo em uma posição anódina.
Somente eles podem encontrar um caminho para o futuro. O PSDB, em seu labirinto de contradições, encara uma hora decisiva: se os deputados da bancada federal escolherem apoiar Chinaglia contra um companheiro de legenda, aí estará marcada uma divisão irreversível no partido.
O próximo passo do deputado Raul Jungmann, depois da entrevista coletiva em que desafiou o Ministério Público a provar o desvio de verbas, poderá ser entrar com uma reclamação para o processo ir para o Supremo Tribunal Federal, onde terá direito a uma defesa preliminar.
A expectativa dele, diante da falta de base nas acusações, é de que o processo seja arquivado no Supremo.