Título: O primeiro desafio do tráfico
Autor: Cássia, Cristiane de e Duran, Sérgio
Fonte: O Globo, 17/01/2007, Rio, p. 12

Bandidos do Morro da Mangueira enfrentam a polícia e incendeiam dois ônibus

Uma operação de policiais civis no Morro da Mangueira deixou ontem três bandidos mortos em confronto que durou toda a manhã e gerou um violento protesto. Três veículos foram incendiados - dois ônibus e um carro de passeio - nas proximidades da favela, mas não houve feridos. A troca de tiros levou a polícia a fechar para o tráfego as ruas São Luiz Gonzaga, Visconde de Niterói e Ana Néri. O comércio próximo à área de conflito fechou as portas.

A resposta violenta dos bandidos à ação da polícia é o primeiro grande desafio do tráfico ao novo governo. Criminosos da Mangueira estiveram recentemente envolvido com a série de atentados ocorridos no Rio no fim de dezembro. Na favela foram feitas reuniões de uma facção criminosa que planejou os ataques, responsáveis pela morte de 19 pessoas e pela destruição de pelo menos 16 ônibus.

A operação de ontem foi realizada por policiais da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC) e da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core). Cerca de cem agentes participaram da incursão. De acordo com o delegado Rodrigo Oliveira, da Core, o objetivo era prender oito ladrões de cargas que atuam na Penha e em Benfica. Segundo a polícia, eles se escondem na Mangueira, com a proteção dos traficantes.

Oliveira disse que o intenso tiroteio começou quando os agentes foram atacados, por volta das 7h. Foi necessário pedir o apoio de um helicóptero da PM e de carros blindados. A Polícia Civil não conseguiu cumprir os mandados de prisão, mas fez diversas apreensões. Entre elas, de um pé de maconha e 1.500 sacolés de crack. Também foram recolhidos um fuzil HK-47, três pistolas 9 milímetros, um revólver calibre 357, um caderno de anotações do tráfico, munição e uma TV portátil.

- Eles (os bandidos) não foram presos, mas a polícia vai voltar lá para buscá-los - disse Oliveira.

'Fui acordado pelos gritos dos bandidos'

Moradores que saíam para trabalhar ficaram assustados.

- Tinha muita gente saindo de casa para ir ao trabalho quando os policiais chegaram. Foram muitos tiros, inclusive do helicóptero. Tivemos medo de que pessoas inocentes fossem atingidas - disse o presidente da Associação de Moradores da Mangueira, José Roque Ferreira.

Com a chegada da polícia, cerca de 25 bandidos atravessaram a Rua São Luiz Gonzaga para chegar ao vizinho Morro do Tuiuti. Na esquina com a Ana Néri, próximo ao Largo do Pedregulho, eles pararam dois ônibus, mandaram passageiros, motoristas e cobradores saltarem e, com um galão de gasolina, atearam fogo aos veículos.

Segundo Célio de Oliveira Lima, de 41 anos, cobrador da linha 624 (Mariópolis-Praça da Bandeira), um dos bandidos gritou:

- Desce ou vai morrer!

De acordo com ele, o ônibus foi cercado por volta das 10h e aproximadamente 20 passageiros tiveram que fugir. Os bandidos estavam armados com pistolas e fuzis. O outro veículo incendiado era da linha 474 (Jacaré- Jardim de Alah), da Viação Novacap.

- Eu estava dormindo quando fui acordado pelos gritos dos bandidos para descermos do ônibus - contou um passageiro que não quis se identificar.

Ao mesmo tempo, um Chevette e vários caixotes foram incendiados por moradores da Mangueira, que reagiram à ação da polícia, na Rua Visconde de Niterói. Os manifestantes disseram que havia uma criança ferida, informação não confirmada.

No momento dos incêndios, houve novo tiroteio próximo à entrada do Tuiuti e as ruas foram bloqueadas por medida de segurança. Policiais do 4º BPM (São Cristóvão), do 6º BPM (Tijuca) e do 22º BPM (Maré) foram acionados em reforço. O trânsito ficou bastante confuso. Na Visconde de Niterói, mesmo depois de a rua ter sido liberada, motoristas preferiram retornar quando viram os PMs e o carro incendiado, cercado de caixotes também em chamas.

Os três bandidos baleados pela polícia foram levados num blindado e chegaram mortos ao Hospital Souza Aguiar. Nenhum deles estava na lista dos procurados pela DRFC. Só um foi identificado: Adriano da Silva, de 30 anos. Um quarto homem teria sido ferido, mas conseguiu fugir.

Dois PMs do Serviço Reservado enviados ao local chamaram a atenção por usarem camisas pretas com a inscrição da Força Nacional de Segurança (FNS). Nenhum deles, porém, estava atuando pelo grupo.

Atentados teriam sido planejados na favela

Sinal verde para ataques dos bandidos em dezembro foi dado pelo chefe do tráfico no morro

Segundo dados da Fetranspor, 28 ônibus foram incendiados ou depredados no ano passado. Este ano já foram quatro, incluindo os de ontem. Na semana passada, outra ação da polícia deixou o clima tenso na Mangueira. Policiais civis apreenderam 2,5 toneladas de maconha escondidas no interior de uma fábrica abandonada na Rua Visconde de Niterói. A polícia informou que a apreensão causou um prejuízo de aproximadamente R$1 milhão ao tráfico.

A Mangueira também esteve na mira da Subsecretaria de Inteligência (SSI) da polícia, que apontou o morro como um dos locais onde foram planejados os atentados ocorridos no fim de dezembro na cidade. O sinal verde para o encontro foi dado pelo traficante Jonas da Silva Sales, o Joaninha, que seria sobrinho de Francisco Paulo Monteiro, o Tuchinha, ex-chefe do tráfico da Mangueira, em liberdade desde junho, depois de cumprir 17 anos de prisão.

De acordo com o delegado titular da 17ª DP (São Cristóvão), Márcio Mello, a Polícia Civil investiga se o próprio Tuchinha não teria assumido o controle do tráfico:

- Provavelmente o sobrinho do Tuchinha, que é quem comanda o tráfico hoje na Mangueira, acobertou os homens procurados pela DRFC. Mas a polícia está seguindo uma linha de investigação de que o próprio Tuchinha estaria de volta ao comando do morro.

Há sete anos, a Mangueira vivenciou um violento protesto contra a morte de um jovem, de 14 anos. Dois carros e um microônibus foram incendiados. A Rua Visconde de Niterói foi fechada por moradores contra a morte de Alex Sandro dos Santos durante uma blitz da Polícia Civil.

Medida foi criticada

Francisco Paulo Testas Monteiro, o Tuchinha, de 43 anos, foi colocado em liberdade em julho, por determinação da Justiça. Condenado a 42 anos de prisão por tráfico e formação de quadrilha, o então chefe da venda de drogas no Morro da Mangueira deveria ficar preso até 2019.

Conforme O GLOBO noticiou em julho do ano passado, Tuchinha foi beneficiado com livramento condicional pelo juiz Ludovico Couto Colacino. À época, o magistrado sustentou a medida com base no fato de o ex-presidiário ter cumprido um terço da sentença.

Na ocasião, o então chefe de Polícia Civil, Ricardo Hallak, criticou a medida e disse que a Justiça deveria ser mais criteriosa ao conceder benefícios a presos perigosos, para evitar um aumento da violência. As investigações sobre o tráfico no Morro da Mangueira indicavam que o comando da venda de drogas, no período em que Tuchinha ficou preso, estava a cargo de alguns de seus parentes.

COLABOROU Camilo Coelho, do "Extra"