Título: MP já tem provas materiais de negligência
Autor: Freire, Flávio e Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 18/01/2007, O País, p. 10

Promotor afirma que falta apontar responsáveis, e perícia espera resgate dos corpos para começar o trabalho

SÃO PAULO.O promotor José Carlos Blat, responsável pelas investigações na esfera criminal do acidente no Metrô, disse que o Ministério Público já tem provas materiais de que houve negligência no episódio, faltando ainda apontar os responsáveis por tal negligência. Tão logo termine o resgate do último corpo na cratera da Linha 4, o Ministério Público de São Paulo e a Polícia Civil vão determinar a interdição total dos trabalhos para que peritos possam buscar novas provas que apontem as causas e os responsáveis pelo desmoronamento.

No inquérito policial já foram ouvidos, desde sexta-feira, dez pessoas, entre moradores, testemunhas e familiares de vítimas. Pelos relatos, rachaduras nos imóveis começaram a surgir semanas antes do acidente. O problema teria sido comunicado à Subprefeitura de Pinheiros, mas não chegou ao Ministério Público, assim como a informação de que, dias antes do acidente, os responsáveis pela obra registraram falhas de engenharia.

- Prova material de que houve negligência nós já temos, agora falta chegar aos autores - disse Blat.

O promotor se reuniu ontem com o delegado Djair Rodrigues. No encontro, acompanhado por dois peritos do Instituto de Criminalística, foi acertada a paralisação da obra até a conclusão da perícia. A partir de segunda-feira começam a ser convocados para depor os engenheiros das empreiteiras integrantes do consórcio: Odebrecht, Queiroz Galvão, Camargo Correia, OAS e Andrade Gutierrez.

A polícia também ouvirá funcionários que trabalhavam no local no dia do acidente.

- Este inquérito será técnico porque dependerá bastante dos laudos - disse o delegado.

Execução em área imprópria

Os primeiros sinais do colapso da obra foram detectados pelos engenheiros do consórcio na terça-feira passada, três dias antes do desmoronamento. Segundo relato de pessoas que acompanharam o caso, as empreiteiras decidiram injetar mais cimento na estrutura. O remendo não foi suficiente. Os funcionários que trabalham na obra foram avisados com antecedência do perigo, mas não foi montado um plano para a vizinhança.

A Promotoria de Urbanismo e Habitação recolhe documentação que comprove irregularidades na construção da Linha 4 do metrô. O promotor Carlos Amin Filho, assessorado por geólogos da Universidade de São Paulo (USP), pretende fazer um relatório sobre a "execução em área imprópria". O local onde o metrô está sendo construído, na região do Rio Pinheiros, é considerado área de transição de solo.

A Defesa Civil confirmou que o consórcio não preparou um plano de abandono de área, o qual, acionado nos primeiros sinais de problema, poderia fazer com que moradores da região e pedestres evitassem a área. O trânsito poderia ter sido desviado.

- A empresa deveria ter acionado um plano para que os moradores fossem avisados do problema, mas o consórcio avisou apenas seus funcionários. Tanto que o único trabalhador ferido (o motorista Francisco Torres, cujo corpo foi retirado ontem sob os escombros) foi o que voltou para pegar os documentos que estavam no caminhão - criticou o coordenador da Defesa Civil, Jair Paca.

O consórcio Via Amarela, responsável pela construção a Linha 4 do Metrô, evitou polemizar. Informou apenas que a empresa, neste momento, está trabalhando para ajudar no resgate dos corpos e no socorro às vítimas, às famílias desabrigadas e aos familiares dos desaparecidos.

Governo corta pagamento a empresas

Decisão vale para o trecho do desabamento, mas restante da obra continuará

SÃO PAULO. Cinco dias depois do desmoronamento que matou três pessoas e deixou pelo menos outras três desaparecidas, o governador José Serra anunciou que o governo suspendeu o pagamento relativo a janeiro pelas obras no trecho acidentado, junto à marginal Pinheiros (Zona Oeste de São Paulo). O governo alega que, com o desmoronamento, não há como fazer a medição do trabalho executado.

- O pagamento não poderia ser feito. Não tem medição da obra nesta estação - afirmou Serra.

Serra afirmou que não partiu dele a decisão, mas da diretoria do Metrô. Mesmo com o acidente, Serra disse que não há motivo para interromper todo o contrato da linha.

- No conjunto da cidade não há por que suspender.

Representantes do consórcio de empreiteiras responsáveis pela construção do Metrô não quiseram comentar a decisão. Responderam apenas que "os esforços estão voltados agora para o resgate (dos soterrados) e assistência às famílias". Liderado pela Odebrecht, o grupo é integrado ainda pela OAS, Queiroz Galvão, Camargo Correa e Andrade Gutierrez. Estima-se que os prejuízos ao consórcio sejam de R$23 milhões, segundo consta no contrato entre as empreiteiras e o Metrô.

Questionado sobre o apoio às famílias das vítimas, o governador repetiu que as indenizações serão pagas pelo seguro feito pela empresa responsável pela obra e que o governo vai prestar assistência jurídica às vítimas.

- Vamos fazer isso para que elas obtenham o máximo possível em matéria de indenização. Inclusive, serão designados advogados da defensoria pública para atender gratuitamente as famílias.

Balanço da Subprefeitura de Pinheiros e da Defesa Civil informa que pelo menos 13 imóveis foram condenados na área do acidente nas obras do Metrô. Outros três já foram demolidos. Além destes, 55 continuam interditados, sem prazo para sua liberação. A defensora pública Cristina Gonçalves disse que o órgão pediu à Secretaria de Justiça as apólices dos contratos de seguro. Segundo ela, ninguém é obrigado a entrar em acordo para receber o dinheiro. O problema, segundo especialistas, é que o processo na Justiça pode levar até dez anos para chegar à sentença final.

Empresário monta escritório em mesa de bar

O empresário José Luiz Juliano, de 38 anos, deve entrar na Justiça para requerer reparos por danos materiais e morais. A sede da empresa de motoboys, num imóvel alugado há cinco anos, foi demolida por causa da cratera do metrô. Juliano tem 22 funcionários, que se comunicam por rádio. Ele improvisou um escritório e uma central de serviços do lado de fora de um bar próximo do acidente.

O maior prejuízo, diz Juliano, é com a falta do PABX, que serviria a dezenas de clientes por dia. Ontem, conseguiu transferir a linha telefônica para sua casa e sua mulher faz as vezes de secretária. Com as motos enfileiradas diante do bar, os motoboys recebem as ordens.

- Estou perdendo R$3 mil por dia. Na quinta, dormi patrão e, no sábado, quase acordo desempregado. Mas a preocupação maior é com as vítimas; o patrimônio se recupera.

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