Título: Brasil inicia reunião do bloco econômico isolado
Autor: Oliveira, Eliane e Peña Bernardo de la
Fonte: O Globo, 18/01/2007, Economia, p. 27

Proposta brasileira para reduzir as assimetrias com o Paraguai e o Uruguai não obtém o apoio da Argentina

A intenção do Brasil de dar uma indicação concreta de que existe disposição em se corrigir as assimetrias econômicas no Mercosul não encontrou eco em seu principal aliado do bloco, a Argentina. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está disposto a dar concessões unilaterais aos sócios menores, o Uruguai e o Paraguai. A mais viável, segundo fontes do governo brasileiro, consiste na flexibilização das importações de insumos sem a aplicação da Tarifa Externa Comum (TEC), usada no comércio com países que não fazem parte do Mercosul. Hoje, 60% dos insumos que compõem um produto precisam ter sua origem no Mercosul. A idéia é reduzir o índice para 30%, no caso do Uruguai, e 25% para o Paraguai.

- O Brasil está disposto a fazer as concessões, mas seria interessante se pudéssemos fazer isto com o respaldo de todo o Mercosul - disse o chanceler brasileiro, Celso Amorim.

O Brasil também quer antecipar o fim da dupla cobrança da TEC sobre produtos importados de terceiros mercados. Assim, se um bem entra no Paraguai e é taxado com uma alíquota, ao chegar no Brasil não precisa mais ser tributado. A questão é que, com isso, surge a necessidade de se compartilhar a receita aduaneira com os sócios mais pobres, sobretudo com os paraguaios, que dependem substantivamente da arrecadação. A Argentina também se mostra contrária à idéia.

Entrada da Bolívia no bloco também divide países

Também não há consenso sobre a implementação de oito projetos a serem financiados pelo Fundo de Convergência Estrutural (Focen), destinado a estimular o desenvolvimento das nações menos desenvolvidas, tal como ocorre na União Européia, mas em dimensões menores. O Focen deve contar com cerca de US$100 milhões. A Argentina não concorda, por exemplo, com a expansão de uma estrada no Uruguai. O Paraguai protesta contra o repasse de verbas para a Bolívia em um programa de febre aftosa.

Além das assimetrias regionais, outro ponto que dominará a agenda da reunião de presidentes do Mercosul é a possível adesão da Bolívia ao Mercosul. Fontes ligadas ao presidente da República revelaram que Lula continua apostando também em uma solicitação idêntica por parte do Equador, apesar de a chanceler equatoriana, Maria Fernanda Spinoza, ter declarado ontem que não interessa a seu país se tornar membro pleno do Mercosul.

- O presidente está muito animado e acredita que Correa (Rafael Correa, presidente equatoriano) dará esse passo importante para a integração sul-americana - disse uma fonte do Palácio do Planalto.

Lula sabe, contudo, que o Mercosul não vive um bom momento. O Uruguai já avisou que assinará, até o fim do mês, um acordo de comércio e investimentos com os EUA. Lula já avisou ao presidente uruguaio, Tabaré Vászquez, que a TEC não pode ser violada. Caso contrário, o Uruguai estará fora do bloco.

Durante a reunião, o presidente brasileiro terá encontros bilaterais com o argentino Néstor Kirchner, o boliviano Evo Morales, o venezuelano Hugo Chávez, entre outros. Com Kirchner, o tema principal será a briga da Argentina com o Uruguai devido à construção de duas fábricas de papel e celulose em território uruguaio. Os argentinos afirmam que as indústrias vão poluir o Rio Uruguai.

A conversa com Morales deverá ter como foco a negociação sobre o preço do gás natural que está em curso com a Petrobras e a indenização que a estatal brasileira exige para compensar a transferência do controle acionário de duas refinarias de petróleo para a estatal boliviana YPFB. Já com Chávez, a discussão deve ser em torno do processo de nacionalização dos setores de energia e telecomunicações na Venezuela. Lula lembrará que existe uma cláusula democrática no Mercosul, e que o socialismo bolivariano que Chávez quer implantar em seu país deve ocorrer segundo princípios constitucionais.

Nas reuniões paralelas, os ministros da Fazenda conversarão sobre o comércio entre Brasil e Argentina com reais e pesos, sem o uso do dólar. Já no setor de energia, o tema será o Gasoduto da América do Sul, que ligará a Venezuela à Argentina, via Brasil.

Hoje, o Mercosul assina um acordo de livre comércio com os países do Golfo Pérsico.