Título: Planeta sob ameaça da segunda era nuclear
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Fonte: O Globo, 18/01/2007, O Mundo, p. 33

Cientistas atômicos adiantam o Relógio do Fim do Mundo para perto da meia-noite e alertam também para aquecimento global

Desde os últimos anos da Guerra Fria o planeta não enfrenta uma ameaça tão grande de ser destruído por uma hecatombe nuclear. A entrada da Coréia do Norte no clube atômico, as violações do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) do Irã, a decisão dos EUA de estudar "ataques nucleares limitados" e a facilidade que terroristas têm hoje para conseguir material físsil, ao lado do aquecimento global, fizeram com que ontem o Relógio do Fim do Mundo avançasse dois minutos e alertasse que a Humanidade está a cinco minutos do seu fim.

O relógio foi o modo criado pela associação dos Cientistas Atômicos - que reúne os principais acadêmicos da área e conta com a participação de 18 prêmios Nobel - de alertar sobre os riscos da corrida nuclear e de outros processos sob controle humano. Criado em 1947 pelos cientistas que desenvolveram as bombas atômicas usadas na Segunda Guerra Mundial, em 60 anos o relógio só teve os ponteiros mexidos 18 vezes. Desde 1988 não havia uma ameaça tão grande.

"Estamos à beira de uma segunda era nuclear. Desde que as primeiras bombas atômicas foram despejadas, o mundo não enfrentava escolhas tão perigosas", afirma o Boletim dos Cientistas Atômicos divulgado ontem. "Ao contrário do amanhecer da primeira era nuclear em 1945, a segunda é caracterizada por um mundo de fronteiras nacionais porosas, comunicações rápidas que facilitam a ampliação de conhecimento técnico, e um grande comércio de tecnologias e materiais que podem ter uso duplo."

- Como cidadãos do mundo, temos a obrigação de alertar a opinião pública dos riscos desnecessários que vivemos a cada dia, e dos perigos que prevemos se os governos e as sociedades não atuarem para inutilizar as armas nucleares e evitar uma maior mudança no clima - disse ontem o físico Stephen Hawking, um dos especialistas envolvidos na pesquisa, na apresentação do relatório ontem, simultaneamente em Londres e Washington. - Como cientistas compreendemos os perigos das armas nucleares e seus efeitos devastadores, e estamos vendo como as tecnologias e atividades humanas estão afetando o clima de forma que podem mudar para sempre a vida na Terra.

Segundo os cientistas, Irã, Coréia do Norte e EUA são os principais responsáveis pelo aumento do perigo do fim da vida no planeta: "O Irã, que é um Estado signatário do TNP, violou suas obrigações e obstruiu esforços para determinar a extensão de suas atividades." Eles citam não só o fato de a Coréia do Norte ter construído uma bomba como a aceitação disso por parte da comunidade internacional.

Os EUA são criticados pelos cientistas por estudar o uso de armas atômicas de alcance limitado em 2002. Segundo o relatório, em 2004 o novo conceito foi colocado em operação. "Que os EUA, um país com total superioridade em armas convencionais, tenham colocada ênfase na necessidade de usar armas nucleares sugere a outros países que tais arsenais são necessários para sua segurança."

O relatório critica também a dupla EUA-Rússia, que têm 26 mil das 27 mil armas nucleares do mundo, cada uma com uma potência de oito a 40 vezes maior do que a bomba de Hiroshima: "50 armas nucleares de hoje podem matar 200 milhões de pessoas."

Outro fator importante para o alerta dos cientistas é a facilidade que grupos terroristas têm hoje para conseguir material atômico. Há cerca de 500 toneladas de plutônio em 140 locais, "usinas civis não protegidas e reatores de universidades, assim como em bases militares. Um a três quilos de plutônio ou cinco a dez quilos de urânio altamente enriquecido é tudo o que é necessário para uma bomba."

A grande novidade do relatório é a inclusão do efeito estufa como uma ameaça para a vida da Terra "tal qual a entendemos hoje". "O aquecimento é uma ameaça terrível para a civilização humana que só é superada pelas armas nucleares", diz o documento. Os cientistas alertam para o modo como está ocorrendo o crescimento econômico da China e Índia, mas frisa que os EUA são o maior poluente.

Segundo o Relógio do Fim do Mundo, o momento em que a Humanidade esteve mais próxima de acabar foi em 1953, quando EUA e URSS testaram a bomba-H, ficando a dois minutos do fim. Já o melhor momento foi em 1991, com o fim da Guerra Fria, com longos 17 minutos para a meia-noite.